segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

UM FADO DE COIMBRA



Música: Alexandre Rey Colaço (1854-1928)
Letra: 1.ª e 2.ª quadras populares
Incipit: Vou-me despedir do rio
Origem: local não identificado
Data: ca. 1896-1898

Vou-me despedir do rio,
das pedrinhas de lavar,
não me despeço de ti
só por te não ver chorar.


Lá vai o rio correndo,
ai! quem mo dera apanhar!
O amor é como o rio
foge e não torna a voltar.

Canta-se o 1º dístico e repete-se; canta-se o 2º dístico e repete-se

Informação complementar:

Composição musical estrófica em compasso 2/4, “adagio languido e molto expressivo”, e tom de Si menor, editada em partitura impressa “para canto e piano”. Conheceu grande popularidade entre os serenateiros conimbricenses e nos salões burgueses, tendo atingido pelo menos a 2.ª edição.
Espécime integrável na estética naturalista e regionalista cultivada pelas elites portuguesas nos anos dourados da Belle Époque, convoca a redondilha maior popular e canta a natureza aprazível, funcionando como deleitoso postal ilustrado de motivos “pitorescos”. O reportório romântico-naturalista da Canção de Coimbra passa do binário oitocentista para o quaternário de novecentos, mantendo as redondilhas de inspiração popular e incorporando tentadores ais neumáticos. Como que constitui a faceta cantável e tocável da pintura de ar livre praticada na mesma circunstância por Silva Porto, Carlos Reis ou José Malhoa. O expoente máximo local do ar-livrismo musical é justamente o guitarrista Anthero da Veiga, herança que se mantém por décadas nos solistas de guitarra de Coimbra que deixam um rasto de viras, chulas e pot-pourris.
Uma canção “ecológica”, diríamos hoje, confrontados com o fastio civilizacional provocado pela poluição sonora urbana e pelos apelos vagamente místicos da ideologia engastada no conceito de “paisagens sonoras”, herança do canadiano “world Soundscape Project” cunhado nos sixties por Murray Schafer (mais dados apud LARANJEIRA, José dos Santos, e FERRÉ, Josep Cerdà i – Paisagens sonoras e territórios intangíveis. O resguardo da cultura imaterial. In: anpap. 19.º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas “Entre Territórios” – 20 a 25/09/2010, Cachoeira/Bahia/Brasil, pp. 2677-2688, http://www.anpap.org.br/2010/pdf/cpcr/jose_dos_santos_laranjeira.pdf; CASALEIRO, Paula, e QUINTELA, Pedro – As paisagens sonoras dos centros históricos de Coimbra e do Porto. Um exercício de escuta. VI Congresso Português de Sociologia. UNL/FCSH, 25 a 26 de Junho de 2006, http://www.aps.pt/vicongresso/pdfs7127.pdf) .
Este espécime institui a primeira incursão à nomenclatura dos ulteriormente pululantes “um fado de Coimbra”, “um fado” e “fado de Coimbra n.º”, titulos discutíveis que atingem o auge na década de 1920, denotando: a) o elevado grau de sedução que o Fado e a linguagem fadística exerciam em Coimbra; b) uma certa indolência intelectual que reduzia a prática da Canção de Coimbra a uma situação menor de arte pela arte; d) a fuga à responsabilidade objectiva pelos direitos de autor, ficcionando alguns dos cultores que o reportório herdado/produzido era “popular”, postura de irresponsabilidade que viria a alimentar já no Estado Novo o elefante branco da Canção de Coimbra como um “folclore urbano”(sic).
Não deve confundir-se a obra de Rey Colaço, ideada no estilo das melodias dos serenateiros conimbricenses de finais de oitocentos, com a ulterior composição do guitarrista Paulo de Sá que tem título idêntico. Esta música de Rey Colaço é distinta de uma outra obra do autor, abundantemente gravada nos alvores do século XX com os títulos de “Fado de Rey” e “Fado Rey Colaço” (Acorda minha Teresa), a que andou associada letra do estudante de Direito António Gonçalves Crespo.
Não temos notícia de que esta obra literário-musical tenha sido registada fonograficamente no século XX.
A letra está transcrita conforme figura na partitura impressa, iniciando os versos com minúsculas. A segunda quadra remontará pelo menos ao século XVIII, dela se conhecendo variantes. ALMEIDA, Cabral, na publicação "Ao Hylario". Número único, Lisboa, s/d, Tip. da Livraria Económica, Travessa de São Domingos, 9 a 13, regista uma variante cantada por Augusto Hylario na década de 1890. O referido autor volta a republicar a mesma quadra, com pontuação melhorada em "Ao Hylario". Coimbra: Imprensa da Universidade,
1896:

O Mondego vae fugindo
com quem me dera agarrar;
o amor é como um rio:
foge e não torna a voltar.

Transcrição: Octávio Sérgio (2010)
Pesquisa e texto: José Anjos de Carvalho, António M. Nunes

Leitura da partitura em MIDI:

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