Luiz Goes De ontem, de hoje e de sempre*
Dizia Teixeira de Pascoaes que a voz de Hilário subia nas noites de Coimbra até se ouvir na lua.
Era ele o primeiro grande cantor das inesquecíveis noites de luar da Velha Alta.
Hoje, no dealbar do novo milénio, cem anos depois de Hilário, a voz de Luiz Goes enche a noite, universalizando a toada coimbrã, penetrando fundo na cósmica inquietação do futuro.
A alma de Coimbra é a voz de Luiz Goes e a voz de Luiz Goes é a telúrica e trágica da condição humana.
A sua obra é um momento humano. É obra moça. Não exibe velhices precoces, é fruto de uma personalidade riquíssima, de uma sensibilidade invulgar e de uma visão plural da vida.
- É através de ti, da tua voz, das tuas interpretações, dos teus poemas, que Coimbra ultrapassa os limites da cidade, vai mais longe, vai ao encontro de quem sonha, do homem só, adquire sangue novo.
Chega mais longe porque tu lhe insuflaste a tua própria vida, lhe deste a tua inteligência e tua criatividade inacessíveis aos que de Coimbra se contentam em imitar o estilo, a exibir erudição a contabilizar louvores.
Com Luiz Goes o canto de Coimbra rompe com a «lamechice», desce às raízes, ganha autenticidade e sensualidade.
Luiz Goes não só canta, como escreve sobre nós, e fá-lo apaixonadamente. Os labirintos da nossa alma profunda percorrem as suas canções. São pedaços de nós, de Portugal, de uma paisagem física e humana que visceralmente somos.
Seus versos pedem canto. E o que é cantar? É talvez o meio de sermos por fora o que somos por dentro. É escancarar o que nos vai na alma reduzindo a distância que nos separa. E não há forma mais perfeita de estar com os outros.
Em Luiz Goes habitam as múltiplas influências do trovador inquieto e intemporal, do poeta, do respeitador da tradição no que ela possui de essencial, rejeitando exibicionismos vocais, poéticos saudosismos serôdios e intransigências reaccionárias.
Luiz Goes é um cantor da Saudade. Mas de uma saudade que nos faz compreender que todos nós comparticipamos num ser universal.
Mergulhando as suas raízes sum sebastianismo de raiz popular, não desdenha, estou certo, subescrever a afirmação do poeta de «Marânus»: Em Portugal o que existe é o Povo e os seus Poetas.
Este é o homem que, exteriorizando as suas faculdades de artista, a sua inteligência, a sua emotividade, realizou uma das mais belas e imperfeitas obras que a cidade do Mondego se orgunha: a união da tradição com a modernidade.
Goes consegiu retirar o chamado Fado de Coimbra da modorra em que se encontrava e dar-lhe a dimensão transgressora que os novos tempos exigem, sem o conotar política ou partidariamente.
Na esteira de seu tio Armando Goes, que na opinião de Alberto Serpa era «uma alma medieval em corpo de moiro, o da voz que nos fala e nos faz mal», Luiz Goes prossegue essa herança de inquietude que encontrará exemplarmente personificada no poeta e grande renovador da canção de Coimbra, Edmundo Bettencourt.
Bettencourt foi para Goes a liberdade criativa e o espírito criativo, a própria graça e desgraça do ser humano, alguém que preferia pôr o talento na arte a pô-lo na vida, alguém que o marcou para todo sempre.
Goes viria a representar no panorama da canção coimbrã ainda tardiamente, o espírito da geração da «Presença», singularizando-se. Ele é a Arte Viva, pela originalidade, pela sinceridade.
Luiz Goes realizou, assim, nos anos 60, alguns dos objectivos da «Presença» iniciados no canto e na poesia por Edmundo Bettencourt.
Muito cedo a voz portentosa e cheia de Luiz Goes se impôs como exponente da canção coimbrã.
Ainda na década de 40, integra um grupo de amigos que, no liceu D. Joaõ III, se inicia no chamado Fado de Coimbra. Eram eles: António Portugal, Zé Dias, Costa Brás, Manuel Mora e Zeca Afonso.
Depois foi um nunca mais parar, deixando o seu nome ligado ao Orfeon Académico , à Tuna, ao Grupo Coral da Faculdade de Letras.
Na década de 50, mais uma vez acompanhado por António Portugal, grava um disco memorável, iniciador da viragem qualitativa que há muito se impunha, e que ficou conhecido por «Coimbra Quintet».
Mas é na década de 60, regressado da Guerra Colonial, que o criador e intérprete se revela em todas as suas potencialidades.
Novos rumos de criação poética, novas pautas, novos sons exigem de Goes um mais além que a sua dimensão de artista dramaticamente rasgou, buscando horizontes novos.
Gostará Luiz Goes que neste momento seja recordado o seu amigo João Bagão, virtuoso da guitarra, companheiro imprescindível na razão dos êxitos, partilhados à viola por António Toscano, João Gomes e Durval Moreirinhas.
Assim, em Lisboa, nos anos 60, Coimbra ganhava dimensão de Capital.
Não há memória de a canção de Coimbra ter atingido uma tão grande popularidade.
O Goes ouvia-se por todo o lado. Os seus versos e os do poeta Leonel Neves tomam-se referências obrigatórias em encontros de juventude:
Tu que crês num mundo maior e melhor
Grita bem alto que o céu está aqui
Tu que vês irmãos em redor
Crê que esse mundo começa por ti
(L. Neves)
Era ele o primeiro grande cantor das inesquecíveis noites de luar da Velha Alta.
Hoje, no dealbar do novo milénio, cem anos depois de Hilário, a voz de Luiz Goes enche a noite, universalizando a toada coimbrã, penetrando fundo na cósmica inquietação do futuro.
A alma de Coimbra é a voz de Luiz Goes e a voz de Luiz Goes é a telúrica e trágica da condição humana.
A sua obra é um momento humano. É obra moça. Não exibe velhices precoces, é fruto de uma personalidade riquíssima, de uma sensibilidade invulgar e de uma visão plural da vida.
- É através de ti, da tua voz, das tuas interpretações, dos teus poemas, que Coimbra ultrapassa os limites da cidade, vai mais longe, vai ao encontro de quem sonha, do homem só, adquire sangue novo.
Chega mais longe porque tu lhe insuflaste a tua própria vida, lhe deste a tua inteligência e tua criatividade inacessíveis aos que de Coimbra se contentam em imitar o estilo, a exibir erudição a contabilizar louvores.
Com Luiz Goes o canto de Coimbra rompe com a «lamechice», desce às raízes, ganha autenticidade e sensualidade.
Luiz Goes não só canta, como escreve sobre nós, e fá-lo apaixonadamente. Os labirintos da nossa alma profunda percorrem as suas canções. São pedaços de nós, de Portugal, de uma paisagem física e humana que visceralmente somos.
Seus versos pedem canto. E o que é cantar? É talvez o meio de sermos por fora o que somos por dentro. É escancarar o que nos vai na alma reduzindo a distância que nos separa. E não há forma mais perfeita de estar com os outros.
Em Luiz Goes habitam as múltiplas influências do trovador inquieto e intemporal, do poeta, do respeitador da tradição no que ela possui de essencial, rejeitando exibicionismos vocais, poéticos saudosismos serôdios e intransigências reaccionárias.
Luiz Goes é um cantor da Saudade. Mas de uma saudade que nos faz compreender que todos nós comparticipamos num ser universal.
Mergulhando as suas raízes sum sebastianismo de raiz popular, não desdenha, estou certo, subescrever a afirmação do poeta de «Marânus»: Em Portugal o que existe é o Povo e os seus Poetas.
Este é o homem que, exteriorizando as suas faculdades de artista, a sua inteligência, a sua emotividade, realizou uma das mais belas e imperfeitas obras que a cidade do Mondego se orgunha: a união da tradição com a modernidade.
Goes consegiu retirar o chamado Fado de Coimbra da modorra em que se encontrava e dar-lhe a dimensão transgressora que os novos tempos exigem, sem o conotar política ou partidariamente.
Na esteira de seu tio Armando Goes, que na opinião de Alberto Serpa era «uma alma medieval em corpo de moiro, o da voz que nos fala e nos faz mal», Luiz Goes prossegue essa herança de inquietude que encontrará exemplarmente personificada no poeta e grande renovador da canção de Coimbra, Edmundo Bettencourt.
Bettencourt foi para Goes a liberdade criativa e o espírito criativo, a própria graça e desgraça do ser humano, alguém que preferia pôr o talento na arte a pô-lo na vida, alguém que o marcou para todo sempre.
Goes viria a representar no panorama da canção coimbrã ainda tardiamente, o espírito da geração da «Presença», singularizando-se. Ele é a Arte Viva, pela originalidade, pela sinceridade.
Luiz Goes realizou, assim, nos anos 60, alguns dos objectivos da «Presença» iniciados no canto e na poesia por Edmundo Bettencourt.
Muito cedo a voz portentosa e cheia de Luiz Goes se impôs como exponente da canção coimbrã.
Ainda na década de 40, integra um grupo de amigos que, no liceu D. Joaõ III, se inicia no chamado Fado de Coimbra. Eram eles: António Portugal, Zé Dias, Costa Brás, Manuel Mora e Zeca Afonso.
Depois foi um nunca mais parar, deixando o seu nome ligado ao Orfeon Académico , à Tuna, ao Grupo Coral da Faculdade de Letras.
Na década de 50, mais uma vez acompanhado por António Portugal, grava um disco memorável, iniciador da viragem qualitativa que há muito se impunha, e que ficou conhecido por «Coimbra Quintet».
Mas é na década de 60, regressado da Guerra Colonial, que o criador e intérprete se revela em todas as suas potencialidades.
Novos rumos de criação poética, novas pautas, novos sons exigem de Goes um mais além que a sua dimensão de artista dramaticamente rasgou, buscando horizontes novos.
Gostará Luiz Goes que neste momento seja recordado o seu amigo João Bagão, virtuoso da guitarra, companheiro imprescindível na razão dos êxitos, partilhados à viola por António Toscano, João Gomes e Durval Moreirinhas.
Assim, em Lisboa, nos anos 60, Coimbra ganhava dimensão de Capital.
Não há memória de a canção de Coimbra ter atingido uma tão grande popularidade.
O Goes ouvia-se por todo o lado. Os seus versos e os do poeta Leonel Neves tomam-se referências obrigatórias em encontros de juventude:
Tu que crês num mundo maior e melhor
Grita bem alto que o céu está aqui
Tu que vês irmãos em redor
Crê que esse mundo começa por ti
(L. Neves)
ou
Ao ouvir a voz do povo
É que se aprende a verdade
Quem ama nasce de novo
E vive sem ter idade
(L. Goes)
É que se aprende a verdade
Quem ama nasce de novo
E vive sem ter idade
(L. Goes)
As canções incluídas nos LPs de Coimbra de Ontem e de Hoje, Canções do Mar e da Vida, Canções de Amor e de Esperança e Canções para Quase Todos que mereceram, na altura, incompreensão de alguns «puristas» do fado de Coimbra com comentários do género isto é tudo menos Coimbra ou Goes ultrapassou os limites, humildemente reconhecerão hoje que os poetas têm razão antes do tempo, antecipam os acontecimentos que só a juventude sabe compreeender.
É por isto que Goes continua a acreditar. A acreditar nos jovens e nos futuros estudantes da sua terra e de todas as terras, e em todos os homens e mulheres capazes de um olhar virgem em gente «que traga uma palavra amiga, semente de esperança na seara da vida».
- Neste dia, de júbilo comemorativo não consigo encontrar outra maneira de concluir estas palavras senão lendo um curto poema que António Toscano soube compreender, musicando-o, e tu soubeste interpretar, como ninguém. Parece ter nascido para o momento que estamos a viver. É de Miguel Torga. É teu porque honraste assim como terra que foi teu berço e hoje é de novo, o teu lugar do canto – Coimbra.
É por isto que Goes continua a acreditar. A acreditar nos jovens e nos futuros estudantes da sua terra e de todas as terras, e em todos os homens e mulheres capazes de um olhar virgem em gente «que traga uma palavra amiga, semente de esperança na seara da vida».
- Neste dia, de júbilo comemorativo não consigo encontrar outra maneira de concluir estas palavras senão lendo um curto poema que António Toscano soube compreender, musicando-o, e tu soubeste interpretar, como ninguém. Parece ter nascido para o momento que estamos a viver. É de Miguel Torga. É teu porque honraste assim como terra que foi teu berço e hoje é de novo, o teu lugar do canto – Coimbra.
Aqui, neste país e nesta hora
Aqui, junto dos meus,
Mortos e vivos.
Aqui, de pés atados,
Livre como os balões cativos,
Que pairam, ancorados.
Aqui, junto dos meus,
Mortos e vivos.
Aqui, de pés atados,
Livre como os balões cativos,
Que pairam, ancorados.
*Discurso proferido por Carlos Carranca, no dia 4 de Julho de 1998, na cerimónia de entrega da Medalha de Ouro da Cidade de Coimbra a Luiz Goes e publicado no Jornal de Coimbra a 8 de Julho, 98. E em Cascais na apresentação da obra de Jorge Cravo dedicada a Luiz Goes.
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