terça-feira, 7 de julho de 2009

A UM HOMEM COM UM GRANDE H
E ARTISTA COM UM ENORME A

Polybio Serra e Silva

O AURÉLIO é, como sabeis,
Também AFONSO, como o primeiro,
O pioneiro,
DOS nossos REIS.

Nascido com muitos dons,
Para a arte dos sons,
Cedo teve desejo
De aprender solfejo
E não se saiu mal:
-Aprendeu a solfejar
Antes de soletrar
A Cartilha Maternal!

Diz-se que o avô, exigente
Regente
Da Banda da Pampilhosa,
Em atitude orgulhosa,
Sem demanda,
Levava o menino,
Pequenino,
Para os ensaios da Banda.

E numa semana Santa,
Veneranda,
Quando numa varanda,
Uma manhã,
O Aurélio estava a ver
Passar a Procissão
Com o avô a reger
Uma marcha de Chopin,
Com emoção
O garoto
Apontou
E gritou
Nessa manhã de sol:
-Aquele maroto
Tocou mal.
Era um bemol
E ele tocou natural.
Nada mal!

Outra das suas paixões,
De menino de calções,
Foi a Briosa
Que aclamava em polvorosa
E, para fazer jus
A esta paixão,
O puto, malandrão,
Faltava às aulas do José Falcão
E ia para o “Santa Cruz”,
Causando polémica,
Assistir aos treinos da Académica.

Um dia o pai, prevenido,
Ficou escondido
A ver se ele aparecia
Mas ele, desconfiado,
Ou avisado,
Nesse dia não vai
E quem fica também viciado
É o pai…
A partir de então,
Segundo sua irmã,
Era enorme a discussão
E impossível aturar tal clã.

Vivia em S. Bartolomeu
Quando se deu
O feito da Taça de Portugal
E os jogadores,
Vencedores,
O que está certo,
Vieram de Condeixa
Em carro descoberto.
O Aurélio pediu à tia
Para deixar ir a irmã
Ver os jogadores.
Mas a tia, pouco cordata
E um pouco bera,
Disse que só com pessoa sensata
O que o Aurélio não era.
Porém,
Lá aceitou
E deixou
Porque foi também.
Ora, na Portagem,
Para mostrar o Tibério à irmã,
O Aurélio fez derrapagem
E demorou quase até de manhã.
Perante tamanho frete
A tia recolheu
A S. Bartolomeu,
Ao seu abrigo,
Dando, ao Aurélio, um raspanete
E à irmã um mês de castigo.

Quando para a Tuna entrou,
Levou,
Com ar triunfal,
Uma viola pequena, artesanal,
Com cravelhas de madeira
À maneira.
Viola linda, um amorzinho,
Oferta do avozinho.

Mas quase fazia pena,
Fazia confusão,
Ver aquele matulão
Com uma gaita tão pequena
E os colegas, sem compaixão,
Como num orfeão,
A dizer todos, de pé:
-Lá vem o grandalhão…
Com o “bidé”!

Quando pôs fitas, com o Lemos,
Bebido um garrafão, pelo menos,
Houve saltos à peixe, com vivacidade,
No Parque da cidade
E, como a gente
Quente
Nem sempre escapa,
Houve perda de óculos e de capa.

Depois de passar
À Reserva militar
Foi trabalhar
Para Góis, Alvares e Souselas
Onde, eles e elas,
Todos dele gostavam
E o apreciavam
Por não se cansar
De trabalhar
E ter sempre para dar,
Além do profissionalismo,
Muito humanismo.

Terminado o fadário
Do trabalho diário
De João Semana,
Fechado no escritório
Era notório
Vê-lo, com muita gana,
Mostrando, apaixonado,
Como numa prece,
O seu interesse
Pelo estudo do Fado.
A mulher costumava dizer
Que ele pensava mais no fado
Do que nela
E que, apaixonado demais,
Gostava mais
Da máquina de escrever
Do que dela.

Do Homem e do Artista
O que dizer?
Está tudo à vista
Mas muito ainda para escrever!

Com tudo o que eu disser
O Aurélio só tem a perder
Porque, apesar do meu empenho,
No todo e em parte
Me falta tanto a arte
Quanto o engenho.

Só direi,
Afirmarei:
-É Homem com um grande H
E Artista com um enorme A!


Naturalidade,
Idade,
Local de nascimento,
A vida no Regimento,
Artistas com o egrégio
Privilégio
Do seu acompanhamento,
Com quem tocou,
Quantos guitarristas
E cantores acompanhou,
Quantos CDs gravou,
Quantos doentes tratou…
Está quase tudo escrito,
Editado,
Lido, dito
E respigado.

Na Tuna Académica
Nunca criou polémica.
Brilhante
Executante,
Um primor
De ensaiador
E Presidente
Excelente.
Falando pouco
Fez sempre de tudo um pouco!
Chave mestra
Das violas da Orquestra
Da Associação
Dos Tunos Antigos
Foi sempre uma lição,
De amizade e perfeição,
Só criando amigos.
Estando sempre rente
Foi um Tuno diferente
Um Tuno de excelência
Uma referência.

Nos conjuntos de Fado
Esteve sempre ao lado
Dos melhores
Guitarristas e cantores,
Interpretando o fado
Com muita garra,
Vendo sempre passar ao lado
As “ políticas de guitarra”.

O que ainda hoje nos consola
É vê-lo no palco sentado
Sendo, para o vizinho do lado,
Pela sua segurança,
E liderança,
Um compêndio de viola.

O seu Fado
Foi sempre o da Lusa Atenas
A quem não ofereceu apenas
O virtuosismo da sua mão
Mas, também
Como ninguém,
A alma e o coração.

Admiramos a sua pose austera
Quando lidera
E, com muita graça,
Abraça
O violão
Bem junto ao coração.
Violão que ele dedilha
Com mão macia
Como quem acaricia
Uma filha.

Com meiga mão
Afaga o braço do violão
E tem o ensejo
De, em cada arpejo,
Com o bordão,
Dar nova expressão
Ao Fado, à Canção
Que lhe está no coração.

Então,
Como num nó,
Homem e Violão
São um só!

Polybio Serra e Siva numa caricatura a um decano dos violas de Coimbra: Aurélio Reis.

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