segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Música Portuguesa na Rádio

Caro Prof. Rui Vieira Nery,

Assisti com muito interesse à entrevista que concedeu ao programa "Diga Lá, Excelência", na RTP-2, e ao ouvi-lo falar da questão da música portuguesa na rádio, uma questão que me é cara, achei por bem dar-lhe conta de algumas breves considerações.
Não podia estar mais de acordo com tudo o que disse, designadamente quando se referiu a discos importantes da música portuguesa que não passam na rádio, apontando a função que caberia ao serviço público de rádio desempenhar na divulgação de tais trabalhos. Lamentavelmente, e como é facilmente constatável, os dois canais generalistas da rádio pública de cobertura nacional – as Antena 1 e 3 – estão bem longe de satisfazerem cabalmente o que seria expectável nesse capítulo. De facto, são muitos os discos de música portuguesa de qualidade que as referidas antenas ignoram ou marginalizam (cf. Grandes discos da música portuguesa: editados em 2008). E tal acontece não só nas afuniladas playlists, completamente instrumentalizadas pelas editoras mais poderosas e influentes, como em programas de autor (por exemplo, no "Vozes da Lusofonia" que deixa de fora álbuns distinguidos com o Prémio José Afonso e contempla – pasme-se! – discos cantados em inglês). Ora, sabendo-se que não é das majors que sai a melhor música portuguesa, a situação vigente na rádio do Estado assume ainda maior gravidade. Esta tem sido uma temática que tenho recorrentemente tratado no blogue "A Nossa Rádio" (http://nossaradio.blogspot.com/), tendo o cuidado de enviar os textos a quem de direito, mas parece que ninguém está interessado em atacar o flagelo. Insensibilidade do poder político e das entidades competentes perante o problema (que tantos prejuízos tem causado e continua a causar à música portuguesa mais qualificada) ou medo de bulir com interesses instalados? Talvez a resposta seja um misto das duas coisas. Em França e Espanha, como se sabe, estas coisas são tratadas muito seriamente. Por cá, é o deixa andar: "não te rales que eu também não". Esquecem-se as entidades responsáveis que o problema tem uma repercussão cultural (e não só) bem mais nefasta do que à partida possa parecer. O poder político, para não ser acusado pelos artistas portugueses de nada fazer, limitou-se a promulgar uma lei estipulando a percentagem de 25 % (que miséria!) de música portuguesa nas rádios nacionais (generalistas) e depois lavou as mãos como Pilatos. Pessoalmente, nunca alimentei a ilusão de que com aquela quota ou qualquer outra se iria resolver alguma coisa (cf. Sobre as quotas de música portuguesa na rádio) e não me enganei. Basta analisar o actual panorama radiofónico nacional: o Paulo Gonzo, os Santos e Pecadores e outros dentro da mesma (in)estética seriam os únicos que continuariam a passar só que em dose reforçada. E a quota estava cumprida, para gáudio dos interesses instalados! Os géneros musicais de menor potencial económico (portanto, sem interesse para as majors, as quais têm de cumprir determinados resultados em termos de lucros, porque assim o exigem os accionistas) continuariam a ser implacavelmente marginalizados e silenciados. Em face de tal estado de coisas, o mesmo é dizer do afunilamento da oferta musical no éter nacional, em virtude da subserviência das principais rádios à estratégia comercial das editoras mais poderosas, regozijo-me com o surgimento da Rádio Amália, no espectro hertziano (na internet, já havia canais temáticos de fado: por exemplo, na Rádio Alfa, de Paris), justamente por vir de algum modo mitigar, ainda que localmente, a marginalização que o género registava nas rádios ditas generalistas. E digo "ditas generalistas", porque vistas bem as coisas elas não o são já que estão monopolizadas por um único género musical: a pop (a anglo-americana e a nacional, em geral esteticamente tributária daquela). Tudo o resto, exceptuando a música clássica (na Antena 2), está confinado a espaços temáticos, quase sempre em faixas horárias em que a maioria das pessoas não ouve rádio. Como tal, só consome tais programas quem à partida tem um especial interesse pelos respectivos géneros musicais. Ao comum dos mortais que ouve rádio no automóvel ou no local de trabalho, durante o dia, só com muita sorte apanha um fado, uma recriação do cancioneiro tradicional ou uma peça instrumental. Até parece que nestas áreas não há criação musical nem se editam discos, o que não é de todo verdade. Neste contexto, e embora saúde o aparecimento de rádios temáticas (a exemplo da Rádio Amália, também aplaudiria o arranque de uma Rádio José Afonso, dedicada à música popular/tradicional portuguesa), penso que a existência de rádios (verdadeiramente) generalistas é de primordial importância. E porquê? Precisamente para facultar uma oferta musical diversificada, de modo a não homogeneizar o gosto do público de acordo com uma determinada estética ou linguagem. O condicionamento/dirigismo do gosto é uma coisa própria de regimes totalitários (de direita ou de esquerda, para o caso vale o mesmo) e julgo que ninguém defende isso em democracia. E aqui não podemos deixar de questionar a situação deveras confrangedora que vigora na estatal Antena 1 (cf. 'Playlist' da Antena 1: uma vergonha nacional).
Com os melhores cumprimentos,

Álvaro José Ferreira

1 Comentários:

Blogger Rui Pato disse...

O meu sincero aplauso!
Rui Pato

12 de outubro de 2009 às 18:38  

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