Jorge Cravo em mais uma abordagem à Guitarra e Canto de Coimbra, no Diário de Coimbra de hoje.
Não concordo inteiramente com o texto, no que se refere à partitura.
Primeiro: nunca a partitura poderá ser a causadora da morte do Canto de Coimbra. Ele morrerá, sim, se deixarem de haver intérpretes e criadores (renovadores) de qualidade. Que me conste, na música ligeira o reportório está praticamente todo em partitura e, no entanto, ouvem-se por aí as mais diversas versões da mesma peça. Aquela não espartilhou a criatividade.
Segundo: é um meio de preservar o património. Ainda ontem me socorri da partitura do meu Ré maior, pois resolvi recomeçar a tocá-lo e, para meu desgosto, verifiquei que já não me lembrava da execução de mais de metade da peça. Sem a partitura, não mais a tocaria, a não ser que alguém ma ensinasse! Iria acontecer o mesmo que às minhas músicas de 1965 que perdi completamente, pois não era meu hábito, na altura, transcrevê-las para partitura.
Já recebi inúmeros pedidos de partituras, de pessoas que pretendem aprender determinadas peças, e não só de minha autoria. Nem todos têm a capacidade de tirar a música de ouvido e, mesmo que consigam, nunca terá a fidelidade duma partitura. Na própria música erudita não há interpretações variadas de cada música? Até as orquestras variam a sua maneira de tocar, consoante o maestro que as orienta. A partitura não impediu a criatividade dos intérpretes.
Segue um acrescento muito pertinente ao meu comentário, por João Paulo Sousa:
Acrescento ainda considerar inadmissível a perda de muitas peças, em especial instrumentais, precisamente por não haverem sido transcritos. Mais, relativamente a alguns compositores emblemáticos como Artur Paredes, Flávio Rodrigues, Jorge Tuna, Francisco F. Martins e mesmo António Portugal e Pinho Brojo, é também de díficil compreensão não ter até agora havido apoio oficial à transcrição integral e sistemática das suas obras. O culto da Canção de Coimbra e da sua Guitarra, em especial, não se faz unicamente nesta cidade - eu quase diria, nem principalmente aí - e a "política" do segredo é já nos nossos dias manifestamente desajustada. Acresce o facto do ensino do instrumento se ter generalizado, mormente nos Conservatórios do país, estando-se assim a anquilosar uma poderosa forma da sua divulgação e culto.
Etiquetas: Jorge Cravo
3 Comentários:
Concordo plenamente com a sua opinião Carissimo Octávio Sérgio. Uma evolução mais consistente da Canção e da Guitarra de Coimbra está dependente de haver documentação da mesma. Não só do ponto de vista histórico mas também do ponto de vista de alguém que embora o queira aprender não esteja directamente ligado no meio. Sem ela continuariamos a tocar o que sempre passou, de pessoa para pessoa, não nos permitindo evoluir, pois seria impraticável fixarmos tudo o que vem sendo criado apenas na (in)viabilidade da transmissão popular/pessoal/social.
Como diz o Sr. Jorge Cravo, "Carlos Paredes, afirmava que precisava de andar entre as pessoas, sentir a cidade e o rio para fazer, música.", mas, porque não fazê-lo para sentir a música que se quer interpretar? E assim conseguir dar-lhe o seu toque e a sua própria visão, enquanto o original fica preservado de forma a ser passado intacto ao próximo executante?
Um abraço
Também concordo inteiramente com o Octávio e com o Ângelo, embora tenha ao longo de 50 anos sido (com grande desgosto meu!) um pior que péssimo leitor de partituras.
Caro Octávio Sérgio,
Concordo inteiramente consigo. Uma partitura não encerra em si o propósito de transcrever por completo uma interpretação - por manifesta impossibilidade de o conseguir, pese embora a riqueza da notação actual - mas é um precioso guia para a aprendizagem de um tema musical.
A sua validade é atestada pelo seu uso crescente desde há séculos, e a história não deixa margem para dúvidas: a notação musical resgatou da lei da morte inúmeros temas, constituíndo um método mais que válido de passagem do conhecimento musical, a par dos fonogramas e dos videogramas.
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