UMA PERSPECTIVA CRÍTICA SOBRE O CHAMADO FADO DE COIMBRA
Comunicação proferida em 09Nov03, em Coimbra, no seminário A Canção de Coimbra e os seus Cultores, por José Anjos de Carvalho*
1. INTRODUÇÃO
Quem vos fala, não estudou, nem nunca viveu, em Coimbra. Consequentemente, não tenho as credenciais de que V. Ex.as são mui dignos titulares.
Sou, no entanto, um interessado cultor – e colector – do chamado FADO DE COIMBRA e, como o tema do presente Seminário é «A CANÇÃO COIMBRÃ E OS SEUS CULTORES», achei por bem que não seria razoável, nem da minha parte muito correcto, recusar o convite e denegar o meu modesto contributo, por muito insignificante que seja, devido aos meus limitados conhecimentos.
É certo que preferia não ter sido convidado para a tarefa de vir aqui fazer uma “comunicação” – gostaria muito mais de estar na assistência – mas, uma vez que a isso me comprometi, procurarei desincumbir-me da melhor maneira. E desincumbir-me da melhor maneira significa sempre, e sobretudo, que se possa tirar algum proveito do que for dito.
Doutra maneira, não valeria a pena estar aqui a perder e a fazer-vos perder o vosso precioso tempo.
Ora, se o meu propósito é que se possa tirar algum proveito do que aqui disser, melhor será eu partilhar convosco algumas preocupações que tenho.
Nesta ordem de ideias, vou apresentar-vos “UMA PERSPECTIVA SOBRE O CHAMADO FADO DE COIMBRA”, tal como o vejo e sinto, perspectiva que será CRÍTICA, e não encomiástica, por três razões principais:
- A primeira das quais é porque gosto muito de Fado de Coimbra;
- A segunda, porque o que vou dizer se destina exclusivamente a apreciadores e agentes da Canção Coimbrã, de que o Fado de Coimbra constitui importante componente;
- E, a terceira – desculpai-me a franqueza –, é porque julgo que nem tudo estará assim tão bem, como às vezes poderá parecer, no universo do foro musical coimbrão.
Fora a assistência uma outra, que não a de reconhecidos cultores da Canção Coimbrã, e expressar-me-ia, de certeza, em termos laudatórios.
Na crítica que aqui for aduzida, vou procurar ater-me principalmente a matérias concretas e objectivas, procurando sobretudo partilhar convosco algumas “penas” que tenho e sinto, motivadas, precisamente, por gostar de Fado de Coimbra.
Mas como já empreguei por diversas vezes a designação de Fado de Coimbra, por ela começarei. Seguidamente, abordarei o problema da inexistência de uma História da “Canção de Coimbra” para, no final, procurar partilhar convosco, algumas dessas “penas” que tenho.
2. O TERMO «FADO DE COIMBRA» E A SUA IMPROPRIEDADE
A designação de Fado de Coimbra, aplicada a grande parte das Canções de Coimbra, será certamente uma questão semântica importante – aceito mesmo que não seja uma questão menor – mas penso que bem mais importante que o nome atribuído a um qualquer género musical é, sem dúvida, o sentimento de beleza que advém das suas composições.
Por outras palavras, a valoração de um género musical não provém do seu nome mas da qualidade das obras que o constituem.
Dou um exemplo: a centenária canção Balada do Mondego, da autoria de José das Neves Eliseu e de Henrique Martins de Carvalho, na versão instrumental concebida por Artur Paredes, intitulada Balada de Coimbra, emociona-me tanto, ou mais, que a bela Serenata de Schubert (1827).
Na acepção de canção, esta palavra Fado, origem de tanta polémica, só há pouco mais de um século é que entrou para os dicionários.
Efectivamente, com o significado de canção, a palavra FADO não se encontra nos dicionários do Séc. XVIII – Bluteau, Viterbo e Dicionário de Morais, 1ª edição, a de 1789.
Mas não só não aparece nos dicionários do Séc. XVIII, como também não vem nos dicionários da 1ª metade do Séc. XIX: edições do Dicionário de Morais de 1813, 1823, 1831 e 1844, Dicionários de Faria, edições de 1849 e de 1850-53 e Dicionário de Fonseca e Roquete, edição de 1848.
Nos dicionários, na acepção de canção, a palavra FADO só aparece no alvorecer do último quartel do Séc. XIX, na 4ª edição do Dicionário Enciclopédico de Lacerda (1874) e, no Dicionário de Morais, só aparece em 1878, na edição revista sob a direcção de Adolfo Coelho , um ilustre conimbricense, linguista, pedagogo e um dos promotores das Conferências do Casino (1871).
Peço desculpa de ainda me demorar um pouco mais neste assunto mas eu, desde muito tenra idade, e já sou septuagenário com alguns anos, sempre ouvi falar de Fado de Coimbra e em Fado de Coimbra. Como tal, habituei-me ao termo e ao seu uso e, certo ou errado, acho que ele define de forma muito clara e inequívoca um determinado género musical.
Evidentemente que é salutar que se questione a propriedade da palavra Fado aplicada a canções coimbrãs mas, pessoalmente, não creio que esta palavra possa, de alguma forma, macular o lustre dos pergaminhos da Canção de Coimbra, Canção Coimbrã ou Serenata Coimbrã, como lhe queiram chamar. Trata-se, a meu ver, de uma questão essencialmente semântica e lexical a que o vocabulário musical deveria poder dar resposta.
É certo que a polissemia da palavra fado é uma evidência. Contudo, com o designativo «de Coimbra», pode muito bem indicar um género musical perfeitamente definido, distinto de qualquer outro, e não, necessariamente, um sub-género musical do chamado Fado de Lisboa, ou uma sua espécie. Entenda-se que não estou a defender uma tal designação se encontrada outra melhor, que não se preste a equívocos.
O que se passa é que, apesar de ilustres e destacados cultores da Canção Coimbrã e também alguns musicólogos referirem a impropriedade da palavra FADO aplicada ao género de música que viria a ficar conhecido por Fado de Coimbra, a verdade é que ainda não se generalizou, nem ainda foi encontrada uma designação melhor para a substituir.
Mas entre a impropriedade do termo Fado e a negação da existência de ou do «Fado de Coimbra», como alguns afirmam ou pretendem fazer crer, há uma diferença abissal. Com o devido respeito, esta atitude de negação da existência de ou do Fado de Coimbra, parece-me algo dogmática e reveladora, de certo modo, de algum parti pris que não se me afigura razoável, nem louvável.
É mais que sabido que sempre que se fala de fado, designadamente no chamado FADO DE LISBOA, o discurso ideológico é a tónica dominante na generalidade dos escritos existentes que, ou são a favor, ou são contra.
É por isso que toda e qualquer crítica ao FADO, por mais razoável que seja, provoca sempre da parte dos fadistófilos respostas algo exageradas. E, na sanha da exaltação do fado são ditas e escritas diversas e variadas tolices, como, por exemplo, fado, “canção nacional”, em contraposição ao ataque de fado, “canção de vencidos”, desferido pelos fadistófobos.
Um outro disparate é querer fazer recuar de cinco séculos o aparecimento do fado, com «a saudade do marinheiro à proa das caravelas», no período áureo das nossas descobertas.
E como se isso não bastasse, a cegueira vai ao ponto de se pretender fazer recuar as origens do fado a uma dança lusitana do tempo de Cristo, descrita pelo geógrafo Estrabão .
Mas isto acontece sobretudo com o chamado Fado de Lisboa.
A meu ver, entre a intelectualidade coimbrã, não se justifica ser fadistófilo, nem fadistófobo, e, mutatis mutandis, pode-se cair também em erros grosseiros por fadistofobia. Vejamos questões factuais:
Neste momento (09Nov2003), na recolha que já efectuei, estão inventariadas 966 peças vocais, designadas, bem ou mal, por Fados e Baladas de Coimbra.
Dessas 966 peças vocais, 255 delas têm o designativo de FADO a figurar no próprio título, o que corresponde a 26,4% do total da recolha. (Dou exemplos: Fado dos Olhos Claros, Fado de Santa Cruz, Fado da Sugestão, Fado d’Anto, para só referir títulos de fados cantados e gravados por Edmundo Bettencourt apoiado na guitarra de Artur Paredes, dois dos grandes nomes do chamado Primeiro Modernismo da Canção Coimbrã).
Com o designativo BALADA, a encabeçar os títulos, tenho 127 composições, incluindo-se neste número as Baladas de Despedida, o que corresponde apenas a 13,1% do total das peças recolhidas, isto é, não chegam a metade dos títulos encabeçados com palavra Fado.
E com o designativo de CANÇÃO nos títulos, tenho unicamente 61 temas, o que corresponde somente a 6,3 % da recolha, isto é, não chegam a metade das Baladas.
Mas a palavra FADO, em muitas e muitas peças por mim recolhidas, se não está incluída no próprio título, vem logo a seguir a este ou, então, por debaixo dele. E essas peças são numerosíssimas, talvez outras tantas, ou mais. Peço desculpa de não ter feito tal contagem mas, em contrapartida, apresento-vos uma pequena amostra:
Nas 12 peças vocais gravadas em 1952, (4 delas por Luiz Goes, 4 por Fernando Rolim e 4 por José Afonso), gravações estas editadas em 1953, e que são as primeiras que foram efectuadas depois de 1930, todas elas têm a indicação de «Fado-Canção» por debaixo do respectivo título e numa delas a palavra Fado figura também no próprio título – caso do muito antigo e conhecido FADO DAS ÁGUIAS .
Abro aqui um pequeno parêntesis para dizer que o designativo de «fado-canção» não foi bem empregue no caso em apreço. FADO, sim, FADO-CANÇÃO, não, porque nenhum, deste conjunto de 12 fados, tem refrão.
Ora, no léxico musical, o que precisamente caracteriza a estrutura de um FADO-CANÇÃO é a alternância entre coplas e refrão.
Fado-canção é, p. ex., a SAMARITANA, que Edmundo Bettencourt também gravou, fado que não é de Coimbra, mas do qual Coimbra se “apropriou”, tal como se apropriou de alguns outros Fados de Lisboa.
(A espécie de fado, designada por fado-canção, emerge nos anos 80 do Séc. XIX, desenvolve-se no Séc. XX, nomeadamente nos anos 20 e 30, quando passa a ser quase obrigatória a inclusão de um ou mais fados nos espectáculos de revista, e atinge a fase cimeira nos anos 60/70 com os fados feitos propositadamente para Amália Rodrigues.)
Mas se formos às 4 primeiras gravações de Augusto Camacho, as de Maio de 1953, para só referir mais este cantor, todas elas trazem o designativo de «Fado de Coimbra»; e o mesmo sucede com as 4 gravações seguintes, as de Setembro de 1957, em que foi acompanhado por Carlos Paredes e António Ferreira Alves.
O que acabo de referir são factos incontestáveis, evidências irrefutáveis.
Vejamos mais alguns exemplos, agora na forma de perguntas:
Se não há Fado de Coimbra, ou se nunca houve, porquê a criação, no início dos anos 30, do Fado Académico de Coimbra? É deste organismo, do Fado Académico de Coimbra, que provém o TEUC (Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra). Foi Jorge de Morais (Xabregas), então presidente do Fado Académico, que em reunião da direcção, apresentou em 25 de Novembro de 1937 a seguinte proposta: «Que dentro do ”Fado Académico de Coimbra” se organizasse um grupo cénico com o fim de colaborar e engrandecer todas as manifestações que o “Fado” venha a ter, quer nos palcos de Coimbra, quer fora de Coimbra, quando em excursão.»
E como justificar também a existência, na Associação Académica de Coimbra, de uma Secção de Fado? Será fado de quê? De Lisboa?!
E os Grupos de Fado, ou de Fados? Que eu conheça, existe uma vintena deles que se assumem como Grupos de Fados de Coimbra, no próprio título, ou nos respectivos textos de apresentação.
Resumindo, temos de convir, quer se queira, quer não, que a tese de que o Fado de Coimbra não existe, ou nunca existiu, peca por incongruência.
Desculpai ter-me alongado demasiado neste assunto. Pretendi apenas submeter à apreciação e reflexão de V.Ex.ªs uma questão que julgo merecedora de alguma atenção menos apaixonada e mais equânime.
3. HISTÓRIA DA CANÇÃO DE COIMBRA. SUA INEXISTÊNCIA
A 2ª questão que gostaria de pôr à apreciação e reflexão de V.Ex.ªs – e essa, é que me parece verdadeiramente importante para o chamado Fado de Coimbra – é a da inexistência de uma História do Foro Musical Académico de Coimbra ou, se preferirem, de uma História da Canção de Coimbra. O nome não será relevante, se minimamente apropriado.
Não interessa estar aqui a procurar descortinar as razões da não existência de uma História do Foro Musical Académico Coimbrão, mas uma coisa afigura-se-me evidente, a Universidade de Coimbra, e a Câmara Municipal de Coimbra – mas sobretudo a Universidade de Coimbra, perdoe-se-me a opinião – têm nisso bastante responsabilidade.
Pessoalmente não compreendo como é que a Universidade de Coimbra pode ignorar o Canto Académico Serenil com tanta displicência.
E como a História da Canção de Coimbra não está feita, nem existe um Cancioneiro Poético-Musical, foram-se forjando diversos mitos e criando também variados erros que, à medida que o tempo vai passando, se vão consolidando e transformando em erros sistemáticos ou verdades virtuais.
Verdadeiramente, o que temos de Fado de Coimbra é uma discografia relativamente abundante mas muito pouco fiável, cheia de erros e de estropiamentos de letras, discografia que tem apenas um século de existência.
A par da discografia, existe também uma razoável quantidade de edições musicais, escritas sobretudo para canto e piano (algumas edições musicais são para bandolim, raramente o são para guitarra), editadas principalmente entre a segunda metade do Séc. XIX e a primeira metade do Séc. XX.
4. A DISCOGRAFIA E ALGUMAS “PENAS” QUE TENHO
Ao falar da discografia não me refiro só e unicamente à que é produzida por estudantes e antigos estudantes de Coimbra; nela incluo toda a que existe disponível, pois é sabido que a produção e a gravação de Fados de Coimbra não é actividade exclusiva ou privativa dos Estudantes e Antigos Estudantes de Coimbra e toda e qualquer pessoa pode gravar Fados de Coimbra.
Há cantores profissionais ou semiprofissionais que têm 4 LP’s gravados, sob os títulos genéricos de Fados de Coimbra ou de Fados e Baladas de Coimbra.
Acontece que o que fica para a posteridade, o que fica para a história, são as obras produzidas e as mais difundidas no caso em apreço são as gravadas em disco. Daí me merecer particular interesse a discografia do Fado de Coimbra. São elas, as obras produzidas, que escrevem por si próprias e em certa medida avalizam o mérito ou o demérito do género musical a que pertencem.
E sendo assim, a ideia ou conceito genérico que se pode ter e fazer do Fado de Coimbra e do mérito das suas composições, resulta principalmente dos discos existentes e disponíveis que se ouvem.
Em minha opinião – e creiam que estou a falar-vos com o coração e que é com desgosto que o digo – existe uma tremenda salgalhada na discografia do chamado Fado de Coimbra. É espantoso haver tantos erros e estropiamentos. É uma confusão tão intrincada que muito dificilmente algum dia será desfeita. Casos há em que a pessoa dada como autor teria de ter concebido a música e/ou a letra antes de ter nascido.
Além da enorme confusão que reina nas autorias, estropiam-se letras e substituem-se letras originais por outras, quiçá com desrespeito e sem autorização dos respectivos autores e, por vezes, e não menos importante, a qualidade interpretativa e o desempenho conseguidos são relativamente fracos.
Que pensar de um género musical assim?...
Estou a falar-vos de coração aberto e muito gostaria que esta minha perspectiva fosse completamente infundada, mas temo que não seja o caso e que haja muito boa gente com opinião não muito satisfatória sobre o chamado Fado de Coimbra. A única finalidade que me move ao abordar estas questões finais é tão-somente chamar a atenção de V.Ex.ªs para a gravidade dos múltiplos problemas criados com a gravação de discos sem um mínimo dos necessários cuidados elementares.
Vou dar alguns exemplos procurando não os personalizar, pois não quero nem pretendo criticar ninguém e muito menos magoar seja quem for.
Vejamos esses exemplos:
4.1. Nos anos 90, um cantor, não antigo estudante de Coimbra, gravou um LP com 10 temas do foro musical coimbrão. Foi acompanhado por instrumentistas de Coimbra e o texto de apresentação do disco foi subscrito por um cultor da canção coimbrã, antigo estudante de Coimbra, também.
O cantor estropia ou adultera a letra de 5 desses 10 temas e, nas letras transcritas que acompanham o disco (critério este que defendo e que considero altamente louvável e recomendável de ser seguido), oito dessas letras apresentam-se estropiadas ou com gralhas.
Quanto à autoria das letras, 4 delas estão erradas e, quanto à autoria das músicas, 5 delas também estão erradas.
Resumindo, e pondo de parte as gralhas tipográficas, 50% dos temas foram cantados com letras estropiadas, 40% das autorias das letras estão erradas e 50% das autorias das músicas também estão erradas.
Devo dizer, em defesa do autor do texto de apresentação, que pessoalmente se me afigura difícil recusar fazer um texto de apresentação, mas julgo que, ao Fado de Coimbra, não foi prestado um bom serviço.
4.2. Não se pense, porém, que o problema dos estropiamentos e das autorias, quer das músicas, quer das letras, são problemas menores, ou que isso só sucede com cantores não oriundos de Coimbra.
Um dos trabalhos discográficos mais importantes do Séc. XX e que me merece muito particular apreço, é o album «TEMPO(S) DE COIMBRA», porque foi por causa da oferta deste album, no Natal de 1986, que eu voltei a interessar-me por Fado de Coimbra, passadas que eram três dezenas e meia de anos de desinteresse absoluto.
Além de ser o trabalho de maior envergadura jamais alguma vez feito na área do chamado Fado de Coimbra (compreende 47 peças vocais e 23 instrumentais), o nome dos seus 12 participantes são dos mais sonantes que à época existiam no universo musical coimbrão, merecendo destaque a dupla constituída por António Brojo e António Portugal, a quem a Canção de Coimbra, indiscutivelmente, muito deve.
Por isso sinto-me à-vontade para, neste caso particular, pormenorizar a minha apreciação sobre a questão das letras e das autorias, firmemente convicto de que a constatação desses erros não afecta a memória, nem o prestígio de que gozaram estes dois ilustres e insignes cultores da Canção de Coimbra.
Dada a extensão da dita apreciação, a mesma é remetida para um anexo, cuja leitura cuidada pode ajudar à percepção da extensão e da gravidade das questões em apreço.
Direi apenas que dos 24 fados anteriores a 1950 (discos 1 e 2), 15 deles apresentam erros, o que corresponde a 62,5% de fados com incorrecções e que, nos 35 fados anteriores a 1970 (discos 1, 2 e 3), há 20 deles com erros, o que corresponde a 57,1%, ou seja, mais de metade tem incorrecções.
4.3. O problema do estropiamento das letras devido à aprendizagem de outiva é dos que reputo de mais graves, sobretudo se cometidos por Antigos Estudantes de Coimbra. Vejamos um exemplo: um determinado fado antigo, gravado com a letra correcta em disco de 78 rpm, voltou anos mais tarde a ser gravado por outros cantores, os quais, nas duas quadras que tem esse fado, estropiam 4 dos 8 versos que as constituem. Além do disco de 78 rpm, a letra estava disponível num livro de versos do autor, que viera a lume em 1917.
Claro está que o caso não é único entre estudantes e antigos estudantes de Coimbra, bem como entre outros cantores que não de Coimbra.
Dou só mais um exemplo: depois da gravação de Edmundo Bettencourt, em 1928, do fado MAR ALTO (Fosse o meu destino o teu), a única gravação em que não há estropiamento da 2ª quadra é a gravação de 1997 de Tito Costa Santos; em todas as outras gravações, realizadas no intervalo de tempo de sete décadas, há sempre estropiamento do 3º verso.
Mas, atenção, o estropiamento não é só nas letras; a melodia também é por vezes estropiada mas, nesta matéria, não vou entrar.
4.4. Um outro problema são os erros a que chamo sistemáticos, que se foram instalando na discografia e que não há meio de os desalojar.
Dou exemplos:
- O BEIJO (À minha amada na praia).
Esta composição vocal não é um Fado de Coimbra e a sua autoria não é de António Menano embora, na discografia do Fado de Coimbra, a autoria venha atribuída habitualmente a ele, por causa de a ter gravado.
Acontece que o seu verdadeiro autor é o compositor, maestro e crítico musical Ruy Coelho (1891-1986), que foi o criador do lied em Portugal, com a publicação, em 1918, de um caderno de lieder intitulado Canções de Saudade e Amor, com poesias de Afonso Lopes Vieira.
Este lied, O BEIJO, foi gravado em 1927 com acompanhamento de piano pelo barítono Edgard Duarte d’Almeida, em cujo disco vêm correctas as autorias: letra de Afonso Lopes Vieira, música de Ruy Coelho (disco COLUMBIA, 8108).
O disco de António Menano (disco ODEON, 136.810) omite as autorias, sugere que o autor seja o próprio António Menano, e, além disso, a letra que canta não está correcta.
Numa compilação surgida este ano (2003) e que recentemente adquiri, já aparecem correctas as autorias deste lied, bem como a autoria da letra do FADO REZENDE (Ao morrer os olhos dizem), mas mesmo assim, nas 18 peças vocais existentes na dita compilação, há 1 título errado, 6 autorias de música erradas, 6 autorias de letras também erradas e estropiamento de letras em 2 temas.
- FADO DAS ÁGUIAS (Ó águia que vais tão alta).
Deste fado existem numerosas gravações e reedições. A letra deste fado não é de José Afonso. A 1ª quadra é de Camilo de Castelo Branco, foi cantada por Custódio José Vieira na Récita de Despedida de 1906 e, tal como está a ser cantada desde os anos 50, não respeita a versão original (está estropiada).
A 2ª quadra deste fado data de 1946, é da autoria de Fernando Quintela, o Poeta Quintela, de seu nome completo António Fernando Rodrigues de Lemos Quintela, que conviveu com Augusto Camacho na mesma República (o Palácio da Loucura) e que fez a quadra a pedido do próprio Augusto Camacho, que queria cantar este fado na 1ª Serenata de Coimbra que, em Dezembro de 1946, foi transmitida pela antiga Emissora Nacional; Augusto Camacho só conhecia a quadra de Camilo de Castelo Branco, pelo que precisava de uma 2ª quadra para poder cantar esse fado.
4.5. Para não abusar da vossa paciência, vou pôr-vos só mais uma questão que reputo importante, a da aposição dos logotipos da Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra e/ou da própria Universidade de Coimbra, em discos para venda ao público.
Peço desculpa de referir este assunto, longe de mim pretender magoar alguém, mas a aposição de tais símbolos entendo-a e acho que funciona como “selo de garantia” da qualidade e da autenticidade do produto posto à venda.
Salvo melhor opinião, e desculpai-me ter de dizê-lo, não é admissível que um produto assim, com certificação de genuinidade e de qualidade garantida, possa ter títulos incorrectos, autorias de músicas e/ou de letras erradas e bem assim letras estropiadas.
A terminar deixo no ar uma pergunta:
Porque será que o Fado de Coimbra não se impõe nos mercados discográfico e audiovisual, nem nos programas das estações radiofónicas e de televisão?
A todos muito obrigado pela paciência que tiveram de me ouvir. Tudo o que disse foi para defender e pugnar pela Canção de Coimbra, de que muito gosto. Apelo para a vossa compreensão se nalguma coisa fui injusto por demasiado incisivo nas críticas que formulei.
Todos nunca seremos demais para a elevar a Canção de Coimbra ao lugar a que gostaríamos que ela se guindasse por direito próprio.
A todos saúdo e cumprimento com amizade. Muito obrigado.
José Anjos de Carvalho
ANEXO (ERROS E DEFICIÊNCIAS NO ÁLBUM TEMPO(S) DE COIMBRA) a “Uma perspectiva crítica sobre o chamado FADO DE COIMBRA”
Primeiro disco (Do Princípio do Século até ao Fim dos Anos 20):
- FADO DAS PRAIAS (Fui um dia até à praia)
Não é do Séc. XX mas do Séc. XIX (1896). A letra não é de Reynaldo Varella mas de João de Deus Ramos. Tem três quadras e não duas. Gravado por Reynaldo Varella no ano das primeiras gravações em Portugal, 1904 (disco BEKA-GRAND-RECORD, 48.019);
- FADO MANASSÉS (Trago comigo um pecado)
Manassés de Lacerda não é o autor da letra do fado com o seu nome; é popular ou popularizada (vem em cancioneiros). A original é uma outra, o título é FADO MARIA (Maria tu és na terra) – cuja letra também não é de Manassés de Lacerda – fado que foi gravado em 1905 pelo próprio Manassés de Lacerda (disco ZONOPHONE, 52.063);
- UM FADO DE COIMBRA (Nossa Senhora da Graça)
A letra não é de Paulo de Sá; a 1ª quadra é popular e, a 2ª quadra, não sei;
- O MEU MENINO (O meu menino é d’oiro)
A letra não é de Alexandre Rezende mas, sim, popular. Da 1ª quadra há umas 30 variantes literárias no Cancioneiro Popular Português de José Leite de Vasconcelos;
- FADO DOS PASSARINHOS (Passarinho da Ribeira)
A música não é de Alberto e Francisco Menano mas de António Menano e foi por este dedicada “Ao muito amigo Marcos Pinto Basto”, conforme consta da respectiva edição musical de que foram feitas 12 edições em cerca de meia dúzia de anos;
- NOSSA SENHORA DE VAGOS
Nem a música, nem a letra são da autoria de Almeida d’Eça. A música é de D. José Pais de Almeida e Silva, descendente dos Senhores de Vagos e a letra é popular. Almeida d’Eça gravou NOSSA SENHORA DE VAGOS em 1929 (disco POLYDOR, P 42.139), o que é uma coisa completamente diferente. Este erro de atribuir a autoria ao cantor é típico e frequente pelo que também se pode considerar um erro sistemático;
- SOLITÁRIO (Dizem que as mães querem mais)
A letra não é do autor da música, que é Francisco Menano, mas de seu irmão Horácio Menano;
- FADO DA ANSIEDADE (O mundo dá tanta volta)
Nem a música, nem a letra são de António Menano; as autorias foram-lhe erradamente atribuídas por ter gravado este fado (disco ODEON, LA 187.808). A 1ª quadra é popular e a 2ª é de Martinho Nobre de Melo; a música é de Francisco Menano;
- CANÇÃO DOS MALMEQUERES (Um amigo meu mandou-me)
A letra não é de António Menano mas sim de António Botto, o 4º verso da 2ª quadra e o 4º verso da 3ª quadras não estão conforme com a versão original, gravada por António Menano (discos ODEON, 187.506 e A187.506) e o título primitivo era BALADA DOS MALMEQUERES (e não, CANÇÃO).
Segundo disco (Anos 30 e 40):
- SAMARITANA (Dos amores do Redentor)
Este fado-canção não é dos anos 30, mas dos anos 10. O seu autor, música e letra não é Álvaro Leal mas, sim, Álvaro Cabral. Este erro, das autorias da música e da letra deste fado, é um dos erros sistemáticos cometido na discografia de cantores de Coimbra. A letra cantada não está correcta no 1º verso da 4ª copla (não é «Corou ao ver quanta luz» mas, sim, «Corou! por ver quanta luz»;
- FADO DE SANTA CRUZ (Igreja de Santa Cruz)
A letra não é de Fortunato Roma da Fonseca. A 1ª quadra já era antiga e popular no Séc. XIX, conforme recolha de José Leite de Vasconcelos;
- O MEU FADO (Não choram os meus pecados)
A letra cantada não é de Armando Goes, a primeira quadra é de Eugénio Sanches da Gama e, a segunda, de António Ferreira Guedes. A letra original (Esse ar de santa a brilhar) gravada por Armando Goes (Disco HIS MASTER’S VOICE, E.Q. 183) não foi respeitada;
- FADO REZENDE (Ao morrer os olhos dizem)
A letra não é de Alexandre Rezende mas do Dr. Manuel Fernandes Laranjeira;
- FADO SEPÚLVEDA (Dizem que amar é viver)
Este fado é um Fado de Lisboa, da transição entre os Séc. XIX e XX. O seu autor é Júlio César Afonso Sepúlveda, despachante na Alfândega de Lisboa. A versão original tem duas partes musicais e foi gravada pela primeira vez pelo actor e tenor António Almeida Cruz antes ainda da implantação da República (disco COLUMBIA RECORD, B 89). Coimbra apenas se “apropriou” da primeira parte musical e a letra que lhe adaptou não é do dito Sepúlveda;
- Estrelinha do Norte (Ó Estrelinha do Norte)
A letra não é de João Gonçalves Jardim. A primeira quadra é popular e, a segunda, é de Ângelo Vieira Araújo, que a fez propositadamente para este fado, a pedido do autor da música;
- NÃO OLHES PARA OS MEUS OLHOS
A letra não é de Francisco Serrano Baptista. A primeira quadra é popular; da segunda desconheço a autoria.
1. INTRODUÇÃO
Quem vos fala, não estudou, nem nunca viveu, em Coimbra. Consequentemente, não tenho as credenciais de que V. Ex.as são mui dignos titulares.
Sou, no entanto, um interessado cultor – e colector – do chamado FADO DE COIMBRA e, como o tema do presente Seminário é «A CANÇÃO COIMBRÃ E OS SEUS CULTORES», achei por bem que não seria razoável, nem da minha parte muito correcto, recusar o convite e denegar o meu modesto contributo, por muito insignificante que seja, devido aos meus limitados conhecimentos.
É certo que preferia não ter sido convidado para a tarefa de vir aqui fazer uma “comunicação” – gostaria muito mais de estar na assistência – mas, uma vez que a isso me comprometi, procurarei desincumbir-me da melhor maneira. E desincumbir-me da melhor maneira significa sempre, e sobretudo, que se possa tirar algum proveito do que for dito.
Doutra maneira, não valeria a pena estar aqui a perder e a fazer-vos perder o vosso precioso tempo.
Ora, se o meu propósito é que se possa tirar algum proveito do que aqui disser, melhor será eu partilhar convosco algumas preocupações que tenho.
Nesta ordem de ideias, vou apresentar-vos “UMA PERSPECTIVA SOBRE O CHAMADO FADO DE COIMBRA”, tal como o vejo e sinto, perspectiva que será CRÍTICA, e não encomiástica, por três razões principais:
- A primeira das quais é porque gosto muito de Fado de Coimbra;
- A segunda, porque o que vou dizer se destina exclusivamente a apreciadores e agentes da Canção Coimbrã, de que o Fado de Coimbra constitui importante componente;
- E, a terceira – desculpai-me a franqueza –, é porque julgo que nem tudo estará assim tão bem, como às vezes poderá parecer, no universo do foro musical coimbrão.
Fora a assistência uma outra, que não a de reconhecidos cultores da Canção Coimbrã, e expressar-me-ia, de certeza, em termos laudatórios.
Na crítica que aqui for aduzida, vou procurar ater-me principalmente a matérias concretas e objectivas, procurando sobretudo partilhar convosco algumas “penas” que tenho e sinto, motivadas, precisamente, por gostar de Fado de Coimbra.
Mas como já empreguei por diversas vezes a designação de Fado de Coimbra, por ela começarei. Seguidamente, abordarei o problema da inexistência de uma História da “Canção de Coimbra” para, no final, procurar partilhar convosco, algumas dessas “penas” que tenho.
2. O TERMO «FADO DE COIMBRA» E A SUA IMPROPRIEDADE
A designação de Fado de Coimbra, aplicada a grande parte das Canções de Coimbra, será certamente uma questão semântica importante – aceito mesmo que não seja uma questão menor – mas penso que bem mais importante que o nome atribuído a um qualquer género musical é, sem dúvida, o sentimento de beleza que advém das suas composições.
Por outras palavras, a valoração de um género musical não provém do seu nome mas da qualidade das obras que o constituem.
Dou um exemplo: a centenária canção Balada do Mondego, da autoria de José das Neves Eliseu e de Henrique Martins de Carvalho, na versão instrumental concebida por Artur Paredes, intitulada Balada de Coimbra, emociona-me tanto, ou mais, que a bela Serenata de Schubert (1827).
Na acepção de canção, esta palavra Fado, origem de tanta polémica, só há pouco mais de um século é que entrou para os dicionários.
Efectivamente, com o significado de canção, a palavra FADO não se encontra nos dicionários do Séc. XVIII – Bluteau, Viterbo e Dicionário de Morais, 1ª edição, a de 1789.
Mas não só não aparece nos dicionários do Séc. XVIII, como também não vem nos dicionários da 1ª metade do Séc. XIX: edições do Dicionário de Morais de 1813, 1823, 1831 e 1844, Dicionários de Faria, edições de 1849 e de 1850-53 e Dicionário de Fonseca e Roquete, edição de 1848.
Nos dicionários, na acepção de canção, a palavra FADO só aparece no alvorecer do último quartel do Séc. XIX, na 4ª edição do Dicionário Enciclopédico de Lacerda (1874) e, no Dicionário de Morais, só aparece em 1878, na edição revista sob a direcção de Adolfo Coelho , um ilustre conimbricense, linguista, pedagogo e um dos promotores das Conferências do Casino (1871).
Peço desculpa de ainda me demorar um pouco mais neste assunto mas eu, desde muito tenra idade, e já sou septuagenário com alguns anos, sempre ouvi falar de Fado de Coimbra e em Fado de Coimbra. Como tal, habituei-me ao termo e ao seu uso e, certo ou errado, acho que ele define de forma muito clara e inequívoca um determinado género musical.
Evidentemente que é salutar que se questione a propriedade da palavra Fado aplicada a canções coimbrãs mas, pessoalmente, não creio que esta palavra possa, de alguma forma, macular o lustre dos pergaminhos da Canção de Coimbra, Canção Coimbrã ou Serenata Coimbrã, como lhe queiram chamar. Trata-se, a meu ver, de uma questão essencialmente semântica e lexical a que o vocabulário musical deveria poder dar resposta.
É certo que a polissemia da palavra fado é uma evidência. Contudo, com o designativo «de Coimbra», pode muito bem indicar um género musical perfeitamente definido, distinto de qualquer outro, e não, necessariamente, um sub-género musical do chamado Fado de Lisboa, ou uma sua espécie. Entenda-se que não estou a defender uma tal designação se encontrada outra melhor, que não se preste a equívocos.
O que se passa é que, apesar de ilustres e destacados cultores da Canção Coimbrã e também alguns musicólogos referirem a impropriedade da palavra FADO aplicada ao género de música que viria a ficar conhecido por Fado de Coimbra, a verdade é que ainda não se generalizou, nem ainda foi encontrada uma designação melhor para a substituir.
Mas entre a impropriedade do termo Fado e a negação da existência de ou do «Fado de Coimbra», como alguns afirmam ou pretendem fazer crer, há uma diferença abissal. Com o devido respeito, esta atitude de negação da existência de ou do Fado de Coimbra, parece-me algo dogmática e reveladora, de certo modo, de algum parti pris que não se me afigura razoável, nem louvável.
É mais que sabido que sempre que se fala de fado, designadamente no chamado FADO DE LISBOA, o discurso ideológico é a tónica dominante na generalidade dos escritos existentes que, ou são a favor, ou são contra.
É por isso que toda e qualquer crítica ao FADO, por mais razoável que seja, provoca sempre da parte dos fadistófilos respostas algo exageradas. E, na sanha da exaltação do fado são ditas e escritas diversas e variadas tolices, como, por exemplo, fado, “canção nacional”, em contraposição ao ataque de fado, “canção de vencidos”, desferido pelos fadistófobos.
Um outro disparate é querer fazer recuar de cinco séculos o aparecimento do fado, com «a saudade do marinheiro à proa das caravelas», no período áureo das nossas descobertas.
E como se isso não bastasse, a cegueira vai ao ponto de se pretender fazer recuar as origens do fado a uma dança lusitana do tempo de Cristo, descrita pelo geógrafo Estrabão .
Mas isto acontece sobretudo com o chamado Fado de Lisboa.
A meu ver, entre a intelectualidade coimbrã, não se justifica ser fadistófilo, nem fadistófobo, e, mutatis mutandis, pode-se cair também em erros grosseiros por fadistofobia. Vejamos questões factuais:
Neste momento (09Nov2003), na recolha que já efectuei, estão inventariadas 966 peças vocais, designadas, bem ou mal, por Fados e Baladas de Coimbra.
Dessas 966 peças vocais, 255 delas têm o designativo de FADO a figurar no próprio título, o que corresponde a 26,4% do total da recolha. (Dou exemplos: Fado dos Olhos Claros, Fado de Santa Cruz, Fado da Sugestão, Fado d’Anto, para só referir títulos de fados cantados e gravados por Edmundo Bettencourt apoiado na guitarra de Artur Paredes, dois dos grandes nomes do chamado Primeiro Modernismo da Canção Coimbrã).
Com o designativo BALADA, a encabeçar os títulos, tenho 127 composições, incluindo-se neste número as Baladas de Despedida, o que corresponde apenas a 13,1% do total das peças recolhidas, isto é, não chegam a metade dos títulos encabeçados com palavra Fado.
E com o designativo de CANÇÃO nos títulos, tenho unicamente 61 temas, o que corresponde somente a 6,3 % da recolha, isto é, não chegam a metade das Baladas.
Mas a palavra FADO, em muitas e muitas peças por mim recolhidas, se não está incluída no próprio título, vem logo a seguir a este ou, então, por debaixo dele. E essas peças são numerosíssimas, talvez outras tantas, ou mais. Peço desculpa de não ter feito tal contagem mas, em contrapartida, apresento-vos uma pequena amostra:
Nas 12 peças vocais gravadas em 1952, (4 delas por Luiz Goes, 4 por Fernando Rolim e 4 por José Afonso), gravações estas editadas em 1953, e que são as primeiras que foram efectuadas depois de 1930, todas elas têm a indicação de «Fado-Canção» por debaixo do respectivo título e numa delas a palavra Fado figura também no próprio título – caso do muito antigo e conhecido FADO DAS ÁGUIAS .
Abro aqui um pequeno parêntesis para dizer que o designativo de «fado-canção» não foi bem empregue no caso em apreço. FADO, sim, FADO-CANÇÃO, não, porque nenhum, deste conjunto de 12 fados, tem refrão.
Ora, no léxico musical, o que precisamente caracteriza a estrutura de um FADO-CANÇÃO é a alternância entre coplas e refrão.
Fado-canção é, p. ex., a SAMARITANA, que Edmundo Bettencourt também gravou, fado que não é de Coimbra, mas do qual Coimbra se “apropriou”, tal como se apropriou de alguns outros Fados de Lisboa.
(A espécie de fado, designada por fado-canção, emerge nos anos 80 do Séc. XIX, desenvolve-se no Séc. XX, nomeadamente nos anos 20 e 30, quando passa a ser quase obrigatória a inclusão de um ou mais fados nos espectáculos de revista, e atinge a fase cimeira nos anos 60/70 com os fados feitos propositadamente para Amália Rodrigues.)
Mas se formos às 4 primeiras gravações de Augusto Camacho, as de Maio de 1953, para só referir mais este cantor, todas elas trazem o designativo de «Fado de Coimbra»; e o mesmo sucede com as 4 gravações seguintes, as de Setembro de 1957, em que foi acompanhado por Carlos Paredes e António Ferreira Alves.
O que acabo de referir são factos incontestáveis, evidências irrefutáveis.
Vejamos mais alguns exemplos, agora na forma de perguntas:
Se não há Fado de Coimbra, ou se nunca houve, porquê a criação, no início dos anos 30, do Fado Académico de Coimbra? É deste organismo, do Fado Académico de Coimbra, que provém o TEUC (Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra). Foi Jorge de Morais (Xabregas), então presidente do Fado Académico, que em reunião da direcção, apresentou em 25 de Novembro de 1937 a seguinte proposta: «Que dentro do ”Fado Académico de Coimbra” se organizasse um grupo cénico com o fim de colaborar e engrandecer todas as manifestações que o “Fado” venha a ter, quer nos palcos de Coimbra, quer fora de Coimbra, quando em excursão.»
E como justificar também a existência, na Associação Académica de Coimbra, de uma Secção de Fado? Será fado de quê? De Lisboa?!
E os Grupos de Fado, ou de Fados? Que eu conheça, existe uma vintena deles que se assumem como Grupos de Fados de Coimbra, no próprio título, ou nos respectivos textos de apresentação.
Resumindo, temos de convir, quer se queira, quer não, que a tese de que o Fado de Coimbra não existe, ou nunca existiu, peca por incongruência.
Desculpai ter-me alongado demasiado neste assunto. Pretendi apenas submeter à apreciação e reflexão de V.Ex.ªs uma questão que julgo merecedora de alguma atenção menos apaixonada e mais equânime.
3. HISTÓRIA DA CANÇÃO DE COIMBRA. SUA INEXISTÊNCIA
A 2ª questão que gostaria de pôr à apreciação e reflexão de V.Ex.ªs – e essa, é que me parece verdadeiramente importante para o chamado Fado de Coimbra – é a da inexistência de uma História do Foro Musical Académico de Coimbra ou, se preferirem, de uma História da Canção de Coimbra. O nome não será relevante, se minimamente apropriado.
Não interessa estar aqui a procurar descortinar as razões da não existência de uma História do Foro Musical Académico Coimbrão, mas uma coisa afigura-se-me evidente, a Universidade de Coimbra, e a Câmara Municipal de Coimbra – mas sobretudo a Universidade de Coimbra, perdoe-se-me a opinião – têm nisso bastante responsabilidade.
Pessoalmente não compreendo como é que a Universidade de Coimbra pode ignorar o Canto Académico Serenil com tanta displicência.
E como a História da Canção de Coimbra não está feita, nem existe um Cancioneiro Poético-Musical, foram-se forjando diversos mitos e criando também variados erros que, à medida que o tempo vai passando, se vão consolidando e transformando em erros sistemáticos ou verdades virtuais.
Verdadeiramente, o que temos de Fado de Coimbra é uma discografia relativamente abundante mas muito pouco fiável, cheia de erros e de estropiamentos de letras, discografia que tem apenas um século de existência.
A par da discografia, existe também uma razoável quantidade de edições musicais, escritas sobretudo para canto e piano (algumas edições musicais são para bandolim, raramente o são para guitarra), editadas principalmente entre a segunda metade do Séc. XIX e a primeira metade do Séc. XX.
4. A DISCOGRAFIA E ALGUMAS “PENAS” QUE TENHO
Ao falar da discografia não me refiro só e unicamente à que é produzida por estudantes e antigos estudantes de Coimbra; nela incluo toda a que existe disponível, pois é sabido que a produção e a gravação de Fados de Coimbra não é actividade exclusiva ou privativa dos Estudantes e Antigos Estudantes de Coimbra e toda e qualquer pessoa pode gravar Fados de Coimbra.
Há cantores profissionais ou semiprofissionais que têm 4 LP’s gravados, sob os títulos genéricos de Fados de Coimbra ou de Fados e Baladas de Coimbra.
Acontece que o que fica para a posteridade, o que fica para a história, são as obras produzidas e as mais difundidas no caso em apreço são as gravadas em disco. Daí me merecer particular interesse a discografia do Fado de Coimbra. São elas, as obras produzidas, que escrevem por si próprias e em certa medida avalizam o mérito ou o demérito do género musical a que pertencem.
E sendo assim, a ideia ou conceito genérico que se pode ter e fazer do Fado de Coimbra e do mérito das suas composições, resulta principalmente dos discos existentes e disponíveis que se ouvem.
Em minha opinião – e creiam que estou a falar-vos com o coração e que é com desgosto que o digo – existe uma tremenda salgalhada na discografia do chamado Fado de Coimbra. É espantoso haver tantos erros e estropiamentos. É uma confusão tão intrincada que muito dificilmente algum dia será desfeita. Casos há em que a pessoa dada como autor teria de ter concebido a música e/ou a letra antes de ter nascido.
Além da enorme confusão que reina nas autorias, estropiam-se letras e substituem-se letras originais por outras, quiçá com desrespeito e sem autorização dos respectivos autores e, por vezes, e não menos importante, a qualidade interpretativa e o desempenho conseguidos são relativamente fracos.
Que pensar de um género musical assim?...
Estou a falar-vos de coração aberto e muito gostaria que esta minha perspectiva fosse completamente infundada, mas temo que não seja o caso e que haja muito boa gente com opinião não muito satisfatória sobre o chamado Fado de Coimbra. A única finalidade que me move ao abordar estas questões finais é tão-somente chamar a atenção de V.Ex.ªs para a gravidade dos múltiplos problemas criados com a gravação de discos sem um mínimo dos necessários cuidados elementares.
Vou dar alguns exemplos procurando não os personalizar, pois não quero nem pretendo criticar ninguém e muito menos magoar seja quem for.
Vejamos esses exemplos:
4.1. Nos anos 90, um cantor, não antigo estudante de Coimbra, gravou um LP com 10 temas do foro musical coimbrão. Foi acompanhado por instrumentistas de Coimbra e o texto de apresentação do disco foi subscrito por um cultor da canção coimbrã, antigo estudante de Coimbra, também.
O cantor estropia ou adultera a letra de 5 desses 10 temas e, nas letras transcritas que acompanham o disco (critério este que defendo e que considero altamente louvável e recomendável de ser seguido), oito dessas letras apresentam-se estropiadas ou com gralhas.
Quanto à autoria das letras, 4 delas estão erradas e, quanto à autoria das músicas, 5 delas também estão erradas.
Resumindo, e pondo de parte as gralhas tipográficas, 50% dos temas foram cantados com letras estropiadas, 40% das autorias das letras estão erradas e 50% das autorias das músicas também estão erradas.
Devo dizer, em defesa do autor do texto de apresentação, que pessoalmente se me afigura difícil recusar fazer um texto de apresentação, mas julgo que, ao Fado de Coimbra, não foi prestado um bom serviço.
4.2. Não se pense, porém, que o problema dos estropiamentos e das autorias, quer das músicas, quer das letras, são problemas menores, ou que isso só sucede com cantores não oriundos de Coimbra.
Um dos trabalhos discográficos mais importantes do Séc. XX e que me merece muito particular apreço, é o album «TEMPO(S) DE COIMBRA», porque foi por causa da oferta deste album, no Natal de 1986, que eu voltei a interessar-me por Fado de Coimbra, passadas que eram três dezenas e meia de anos de desinteresse absoluto.
Além de ser o trabalho de maior envergadura jamais alguma vez feito na área do chamado Fado de Coimbra (compreende 47 peças vocais e 23 instrumentais), o nome dos seus 12 participantes são dos mais sonantes que à época existiam no universo musical coimbrão, merecendo destaque a dupla constituída por António Brojo e António Portugal, a quem a Canção de Coimbra, indiscutivelmente, muito deve.
Por isso sinto-me à-vontade para, neste caso particular, pormenorizar a minha apreciação sobre a questão das letras e das autorias, firmemente convicto de que a constatação desses erros não afecta a memória, nem o prestígio de que gozaram estes dois ilustres e insignes cultores da Canção de Coimbra.
Dada a extensão da dita apreciação, a mesma é remetida para um anexo, cuja leitura cuidada pode ajudar à percepção da extensão e da gravidade das questões em apreço.
Direi apenas que dos 24 fados anteriores a 1950 (discos 1 e 2), 15 deles apresentam erros, o que corresponde a 62,5% de fados com incorrecções e que, nos 35 fados anteriores a 1970 (discos 1, 2 e 3), há 20 deles com erros, o que corresponde a 57,1%, ou seja, mais de metade tem incorrecções.
4.3. O problema do estropiamento das letras devido à aprendizagem de outiva é dos que reputo de mais graves, sobretudo se cometidos por Antigos Estudantes de Coimbra. Vejamos um exemplo: um determinado fado antigo, gravado com a letra correcta em disco de 78 rpm, voltou anos mais tarde a ser gravado por outros cantores, os quais, nas duas quadras que tem esse fado, estropiam 4 dos 8 versos que as constituem. Além do disco de 78 rpm, a letra estava disponível num livro de versos do autor, que viera a lume em 1917.
Claro está que o caso não é único entre estudantes e antigos estudantes de Coimbra, bem como entre outros cantores que não de Coimbra.
Dou só mais um exemplo: depois da gravação de Edmundo Bettencourt, em 1928, do fado MAR ALTO (Fosse o meu destino o teu), a única gravação em que não há estropiamento da 2ª quadra é a gravação de 1997 de Tito Costa Santos; em todas as outras gravações, realizadas no intervalo de tempo de sete décadas, há sempre estropiamento do 3º verso.
Mas, atenção, o estropiamento não é só nas letras; a melodia também é por vezes estropiada mas, nesta matéria, não vou entrar.
4.4. Um outro problema são os erros a que chamo sistemáticos, que se foram instalando na discografia e que não há meio de os desalojar.
Dou exemplos:
- O BEIJO (À minha amada na praia).
Esta composição vocal não é um Fado de Coimbra e a sua autoria não é de António Menano embora, na discografia do Fado de Coimbra, a autoria venha atribuída habitualmente a ele, por causa de a ter gravado.
Acontece que o seu verdadeiro autor é o compositor, maestro e crítico musical Ruy Coelho (1891-1986), que foi o criador do lied em Portugal, com a publicação, em 1918, de um caderno de lieder intitulado Canções de Saudade e Amor, com poesias de Afonso Lopes Vieira.
Este lied, O BEIJO, foi gravado em 1927 com acompanhamento de piano pelo barítono Edgard Duarte d’Almeida, em cujo disco vêm correctas as autorias: letra de Afonso Lopes Vieira, música de Ruy Coelho (disco COLUMBIA, 8108).
O disco de António Menano (disco ODEON, 136.810) omite as autorias, sugere que o autor seja o próprio António Menano, e, além disso, a letra que canta não está correcta.
Numa compilação surgida este ano (2003) e que recentemente adquiri, já aparecem correctas as autorias deste lied, bem como a autoria da letra do FADO REZENDE (Ao morrer os olhos dizem), mas mesmo assim, nas 18 peças vocais existentes na dita compilação, há 1 título errado, 6 autorias de música erradas, 6 autorias de letras também erradas e estropiamento de letras em 2 temas.
- FADO DAS ÁGUIAS (Ó águia que vais tão alta).
Deste fado existem numerosas gravações e reedições. A letra deste fado não é de José Afonso. A 1ª quadra é de Camilo de Castelo Branco, foi cantada por Custódio José Vieira na Récita de Despedida de 1906 e, tal como está a ser cantada desde os anos 50, não respeita a versão original (está estropiada).
A 2ª quadra deste fado data de 1946, é da autoria de Fernando Quintela, o Poeta Quintela, de seu nome completo António Fernando Rodrigues de Lemos Quintela, que conviveu com Augusto Camacho na mesma República (o Palácio da Loucura) e que fez a quadra a pedido do próprio Augusto Camacho, que queria cantar este fado na 1ª Serenata de Coimbra que, em Dezembro de 1946, foi transmitida pela antiga Emissora Nacional; Augusto Camacho só conhecia a quadra de Camilo de Castelo Branco, pelo que precisava de uma 2ª quadra para poder cantar esse fado.
4.5. Para não abusar da vossa paciência, vou pôr-vos só mais uma questão que reputo importante, a da aposição dos logotipos da Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra e/ou da própria Universidade de Coimbra, em discos para venda ao público.
Peço desculpa de referir este assunto, longe de mim pretender magoar alguém, mas a aposição de tais símbolos entendo-a e acho que funciona como “selo de garantia” da qualidade e da autenticidade do produto posto à venda.
Salvo melhor opinião, e desculpai-me ter de dizê-lo, não é admissível que um produto assim, com certificação de genuinidade e de qualidade garantida, possa ter títulos incorrectos, autorias de músicas e/ou de letras erradas e bem assim letras estropiadas.
A terminar deixo no ar uma pergunta:
Porque será que o Fado de Coimbra não se impõe nos mercados discográfico e audiovisual, nem nos programas das estações radiofónicas e de televisão?
A todos muito obrigado pela paciência que tiveram de me ouvir. Tudo o que disse foi para defender e pugnar pela Canção de Coimbra, de que muito gosto. Apelo para a vossa compreensão se nalguma coisa fui injusto por demasiado incisivo nas críticas que formulei.
Todos nunca seremos demais para a elevar a Canção de Coimbra ao lugar a que gostaríamos que ela se guindasse por direito próprio.
A todos saúdo e cumprimento com amizade. Muito obrigado.
José Anjos de Carvalho
ANEXO (ERROS E DEFICIÊNCIAS NO ÁLBUM TEMPO(S) DE COIMBRA) a “Uma perspectiva crítica sobre o chamado FADO DE COIMBRA”
Primeiro disco (Do Princípio do Século até ao Fim dos Anos 20):
- FADO DAS PRAIAS (Fui um dia até à praia)
Não é do Séc. XX mas do Séc. XIX (1896). A letra não é de Reynaldo Varella mas de João de Deus Ramos. Tem três quadras e não duas. Gravado por Reynaldo Varella no ano das primeiras gravações em Portugal, 1904 (disco BEKA-GRAND-RECORD, 48.019);
- FADO MANASSÉS (Trago comigo um pecado)
Manassés de Lacerda não é o autor da letra do fado com o seu nome; é popular ou popularizada (vem em cancioneiros). A original é uma outra, o título é FADO MARIA (Maria tu és na terra) – cuja letra também não é de Manassés de Lacerda – fado que foi gravado em 1905 pelo próprio Manassés de Lacerda (disco ZONOPHONE, 52.063);
- UM FADO DE COIMBRA (Nossa Senhora da Graça)
A letra não é de Paulo de Sá; a 1ª quadra é popular e, a 2ª quadra, não sei;
- O MEU MENINO (O meu menino é d’oiro)
A letra não é de Alexandre Rezende mas, sim, popular. Da 1ª quadra há umas 30 variantes literárias no Cancioneiro Popular Português de José Leite de Vasconcelos;
- FADO DOS PASSARINHOS (Passarinho da Ribeira)
A música não é de Alberto e Francisco Menano mas de António Menano e foi por este dedicada “Ao muito amigo Marcos Pinto Basto”, conforme consta da respectiva edição musical de que foram feitas 12 edições em cerca de meia dúzia de anos;
- NOSSA SENHORA DE VAGOS
Nem a música, nem a letra são da autoria de Almeida d’Eça. A música é de D. José Pais de Almeida e Silva, descendente dos Senhores de Vagos e a letra é popular. Almeida d’Eça gravou NOSSA SENHORA DE VAGOS em 1929 (disco POLYDOR, P 42.139), o que é uma coisa completamente diferente. Este erro de atribuir a autoria ao cantor é típico e frequente pelo que também se pode considerar um erro sistemático;
- SOLITÁRIO (Dizem que as mães querem mais)
A letra não é do autor da música, que é Francisco Menano, mas de seu irmão Horácio Menano;
- FADO DA ANSIEDADE (O mundo dá tanta volta)
Nem a música, nem a letra são de António Menano; as autorias foram-lhe erradamente atribuídas por ter gravado este fado (disco ODEON, LA 187.808). A 1ª quadra é popular e a 2ª é de Martinho Nobre de Melo; a música é de Francisco Menano;
- CANÇÃO DOS MALMEQUERES (Um amigo meu mandou-me)
A letra não é de António Menano mas sim de António Botto, o 4º verso da 2ª quadra e o 4º verso da 3ª quadras não estão conforme com a versão original, gravada por António Menano (discos ODEON, 187.506 e A187.506) e o título primitivo era BALADA DOS MALMEQUERES (e não, CANÇÃO).
Segundo disco (Anos 30 e 40):
- SAMARITANA (Dos amores do Redentor)
Este fado-canção não é dos anos 30, mas dos anos 10. O seu autor, música e letra não é Álvaro Leal mas, sim, Álvaro Cabral. Este erro, das autorias da música e da letra deste fado, é um dos erros sistemáticos cometido na discografia de cantores de Coimbra. A letra cantada não está correcta no 1º verso da 4ª copla (não é «Corou ao ver quanta luz» mas, sim, «Corou! por ver quanta luz»;
- FADO DE SANTA CRUZ (Igreja de Santa Cruz)
A letra não é de Fortunato Roma da Fonseca. A 1ª quadra já era antiga e popular no Séc. XIX, conforme recolha de José Leite de Vasconcelos;
- O MEU FADO (Não choram os meus pecados)
A letra cantada não é de Armando Goes, a primeira quadra é de Eugénio Sanches da Gama e, a segunda, de António Ferreira Guedes. A letra original (Esse ar de santa a brilhar) gravada por Armando Goes (Disco HIS MASTER’S VOICE, E.Q. 183) não foi respeitada;
- FADO REZENDE (Ao morrer os olhos dizem)
A letra não é de Alexandre Rezende mas do Dr. Manuel Fernandes Laranjeira;
- FADO SEPÚLVEDA (Dizem que amar é viver)
Este fado é um Fado de Lisboa, da transição entre os Séc. XIX e XX. O seu autor é Júlio César Afonso Sepúlveda, despachante na Alfândega de Lisboa. A versão original tem duas partes musicais e foi gravada pela primeira vez pelo actor e tenor António Almeida Cruz antes ainda da implantação da República (disco COLUMBIA RECORD, B 89). Coimbra apenas se “apropriou” da primeira parte musical e a letra que lhe adaptou não é do dito Sepúlveda;
- Estrelinha do Norte (Ó Estrelinha do Norte)
A letra não é de João Gonçalves Jardim. A primeira quadra é popular e, a segunda, é de Ângelo Vieira Araújo, que a fez propositadamente para este fado, a pedido do autor da música;
- NÃO OLHES PARA OS MEUS OLHOS
A letra não é de Francisco Serrano Baptista. A primeira quadra é popular; da segunda desconheço a autoria.
.
Terceiro disco (Anos 50 e 60):
- DOBADOIRA (A dobadoira gira, gira, gira)
A letra não é de D. José Pais de Almeida e Silva mas de António Sardinha e não corresponde à versão original. A letra aqui cantada também não é exactamente igual à gravada em 1952 e tal facto não é caso único, isto é, quando anos mais tarde o cantor volta a gravar o mesmo fado, a letra nem sempre é igual à da gravação anterior;
- CANÇÃO DAS LÁGRIMAS (Lágrimas que a gente chora)
Não é dos anos 50-60 mas dos anos 20. A letra original gravada pelo próprio Armando Goes, autor da música (disco HIS MASTER’S VOICE, E.Q. 183, gravado em 1928), encontra-se modificada;
- ONDAS DO MAR (Meu amor vem sobre as ondas)
Segundo o livro Cantares de José Afonso, impresso a off-set na AAEE do IST, em 1969, a 1ª quadra não é de Carlos Figueiredo mas de um José Carlos (será João? João Carlos Celestino Gomes?);
- FADO DA DESPEDIDA (Quando passas nos meus olhos)
Luiz Goes gravou este fado (disco MELODIA, EP-85-6) mas a letra não é de Luiz Goes; é de João Heliodoro Conde Veiga;
- TENHO BARCOS (Tenho barcos, tenho remos)
José Afonso gravou este tema (disco RAPSÓDIA, EPF 5.182) mas a letra não é de José Afonso, é popular e bastante antiga.
Quarto e último disco (Anos 70 e 80):
Neste disco não se encontram erros de autorias de músicas ou de letras.
CONCLUSÕES
Do exposto podemos concluir o seguinte:
1. DISCO DO PRINCÍPIO DO SÉCULO ATÉ AO FIM DOS ANOS 20
Dos 12 fados deste disco, 8 deles contém erros, o que corresponde a 66,6% de fados com incorrecções [erros de datação (1); de autoria de letras ou de quadras (8); de autoria de músicas (3); letras incompletas ou incorrectas (2)].
2. DISCO DOS ANOS 30 E 40
Dos 12 fados deste disco, 7 deles contém erros, o que corresponde a 58,3% de fados com incorrecções [erros de datação (1); de autoria de letras ou de quadras (9); de autoria de música (1); letras não respeitadas ou incorrectas (2)].
3. DISCO DOS ANOS 50 E 60
Dos 11 fados deste disco, 5 deles contém erros, o que corresponde a 41,0% de fados com incorrecções [erros de datação (1); erros de autoria de letras (4); letras modificadas (2)].
4. DISCO DOS ANOS 70 E 80
Dos 12 fados deste disco, não foi encontrado qualquer erro ou deficiência.
5. FADOS ANTERIORES A 1950
Nos 24 fados anteriores a 1950, 15 deles apresentam-se com erros e/ou deficiências, o que corresponde a 62,5% de fados com incorrecções.
6. FADOS ANTERIORES A 1970
Nos 35 fados anteriores a 1970, 20 deles apresentam-se com erros e/ou deficiências, o que corresponde a 57,1% de fados com incorrecções.
7. A EVIDÊNCIA DE UM “ERRO SISTEMÁTICO”
Quando não se sabe quem é o autor da letra, uma das “normas” é atribuí-la ao suposto autor da música (quer ele seja, ou não, o seu verdadeiro compositor, porque uma outra das “normas” é atribuir a música ao cantor que primeiro a divulga ou grava). Por isso se relacionam aqui os fados anteriores a 1950 que foram objecto da maléfica “norma” de atribuir a letra ao (verdadeiro, ou suposto) autor da música.
Fado das Praias
Fado Manassés
Um Fado de Coimbra
O Meu Menino
Nossa Senhora de Vagos (duplo erro; o autor da música é outro)
Solitário
Fado da Ansiedade (duplo erro; o autor da música é outro)
Canção dos Malmequeres
Samaritana (duplo erro; o autor da música é outro)
Fado de Santa Cruz
O Meu Fado
Fado Rezende
Fado Sepúlveda
Estrelinha do Norte
Não Olhes para os Meus Olhos
Tenho Barcos
Da aplicação da norma aos 24 fados anteriores a 1950 resultou errada a respectiva autoria da letra em 16 deles, o que corresponde a 66,6% de erros sistemáticos nas autorias das letras.
A “norma” de atribuir a música ao cantor que primeiro a divulga, ou grava, não é aqui tão evidente porque apenas em dois casos se verificam erros por aplicação de tal “norma” (Nossa Senhora de Vagos e Fado da Ansiedade); nos restantes sete casos deste exemplo, o cantor que primeiramente gravou coincide (eventualmente, por acaso) com o verdadeiro autor da música.
José Anjos de Carvalho
Terceiro disco (Anos 50 e 60):
- DOBADOIRA (A dobadoira gira, gira, gira)
A letra não é de D. José Pais de Almeida e Silva mas de António Sardinha e não corresponde à versão original. A letra aqui cantada também não é exactamente igual à gravada em 1952 e tal facto não é caso único, isto é, quando anos mais tarde o cantor volta a gravar o mesmo fado, a letra nem sempre é igual à da gravação anterior;
- CANÇÃO DAS LÁGRIMAS (Lágrimas que a gente chora)
Não é dos anos 50-60 mas dos anos 20. A letra original gravada pelo próprio Armando Goes, autor da música (disco HIS MASTER’S VOICE, E.Q. 183, gravado em 1928), encontra-se modificada;
- ONDAS DO MAR (Meu amor vem sobre as ondas)
Segundo o livro Cantares de José Afonso, impresso a off-set na AAEE do IST, em 1969, a 1ª quadra não é de Carlos Figueiredo mas de um José Carlos (será João? João Carlos Celestino Gomes?);
- FADO DA DESPEDIDA (Quando passas nos meus olhos)
Luiz Goes gravou este fado (disco MELODIA, EP-85-6) mas a letra não é de Luiz Goes; é de João Heliodoro Conde Veiga;
- TENHO BARCOS (Tenho barcos, tenho remos)
José Afonso gravou este tema (disco RAPSÓDIA, EPF 5.182) mas a letra não é de José Afonso, é popular e bastante antiga.
Quarto e último disco (Anos 70 e 80):
Neste disco não se encontram erros de autorias de músicas ou de letras.
CONCLUSÕES
Do exposto podemos concluir o seguinte:
1. DISCO DO PRINCÍPIO DO SÉCULO ATÉ AO FIM DOS ANOS 20
Dos 12 fados deste disco, 8 deles contém erros, o que corresponde a 66,6% de fados com incorrecções [erros de datação (1); de autoria de letras ou de quadras (8); de autoria de músicas (3); letras incompletas ou incorrectas (2)].
2. DISCO DOS ANOS 30 E 40
Dos 12 fados deste disco, 7 deles contém erros, o que corresponde a 58,3% de fados com incorrecções [erros de datação (1); de autoria de letras ou de quadras (9); de autoria de música (1); letras não respeitadas ou incorrectas (2)].
3. DISCO DOS ANOS 50 E 60
Dos 11 fados deste disco, 5 deles contém erros, o que corresponde a 41,0% de fados com incorrecções [erros de datação (1); erros de autoria de letras (4); letras modificadas (2)].
4. DISCO DOS ANOS 70 E 80
Dos 12 fados deste disco, não foi encontrado qualquer erro ou deficiência.
5. FADOS ANTERIORES A 1950
Nos 24 fados anteriores a 1950, 15 deles apresentam-se com erros e/ou deficiências, o que corresponde a 62,5% de fados com incorrecções.
6. FADOS ANTERIORES A 1970
Nos 35 fados anteriores a 1970, 20 deles apresentam-se com erros e/ou deficiências, o que corresponde a 57,1% de fados com incorrecções.
7. A EVIDÊNCIA DE UM “ERRO SISTEMÁTICO”
Quando não se sabe quem é o autor da letra, uma das “normas” é atribuí-la ao suposto autor da música (quer ele seja, ou não, o seu verdadeiro compositor, porque uma outra das “normas” é atribuir a música ao cantor que primeiro a divulga ou grava). Por isso se relacionam aqui os fados anteriores a 1950 que foram objecto da maléfica “norma” de atribuir a letra ao (verdadeiro, ou suposto) autor da música.
Fado das Praias
Fado Manassés
Um Fado de Coimbra
O Meu Menino
Nossa Senhora de Vagos (duplo erro; o autor da música é outro)
Solitário
Fado da Ansiedade (duplo erro; o autor da música é outro)
Canção dos Malmequeres
Samaritana (duplo erro; o autor da música é outro)
Fado de Santa Cruz
O Meu Fado
Fado Rezende
Fado Sepúlveda
Estrelinha do Norte
Não Olhes para os Meus Olhos
Tenho Barcos
Da aplicação da norma aos 24 fados anteriores a 1950 resultou errada a respectiva autoria da letra em 16 deles, o que corresponde a 66,6% de erros sistemáticos nas autorias das letras.
A “norma” de atribuir a música ao cantor que primeiro a divulga, ou grava, não é aqui tão evidente porque apenas em dois casos se verificam erros por aplicação de tal “norma” (Nossa Senhora de Vagos e Fado da Ansiedade); nos restantes sete casos deste exemplo, o cantor que primeiramente gravou coincide (eventualmente, por acaso) com o verdadeiro autor da música.
José Anjos de Carvalho
1 Comentários:
Achei muito interessante esta descrição sobre o "fado" ou "canção de Coimbra". Além de tudo o mais, "fado", é musicalmente, expressão de sentimento nostálgico, seja esse sentimento exprimido em Lisboa ou Coimbra, ou em qualquer outro lugar; é sempre expressão de sentimento de um povo. Lógicamente, cada um evolui segundo o ambiente onde vive; a partir daí cada qual revindica as suas origens.
Fora disto a apelação parece-me óbviamente segundária em relaão ao conteúdo.
O essencial é que cada um de nós se reconheça na música.
Aqui está, caros amigos, a minha modesta opinião.
Henrique Raposo
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