quinta-feira, 9 de setembro de 2010

"AMAR GUITARRA & BETTY M."


“Uma viagem instrumental pelo universo musical latino conduzida pelas guitarras de João Cuña e Luis Fialho em diálogo, revisitando o Fado, o Gypsy Jazz, o Flamenco e o Blues, em composições originais e de outros autores, com a Guitarra Portuguesa e com a participação de Betty M. no Violino e Voz”.
O Quarteto “Amar Guitarra” após a gravação do seu último CD, apresenta-se numa nova formação em Trio, com Luis Fialho e João Cuña nas guitarras acústicas e portuguesa, e com a participação de Betty M. no violino e voz.

João Cuña
www.amarguitarra.com
tlm 91 6434730
amarguitarra@gmail.com

Carlos Carranca inicia hoje as filmagens do primeiro programa televisivo, com a temática "Poesia para todos". Diário de Coimbra de hoje.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Canção com lágrimas

Cancao com Lagrimas sound bite

"Canção com Lágrimas" de Adriano Correia de Oliveira e Manuel Alegre. Esta primeira versão, cantada por Adriano, está magistralmente interpretada, tanto pelo cantor como pelo acompanhante, o Rui Pato, que concebeu um acompanhamento perfeitamente enquadrado nas características da peça. A gravação é dos finais de 1969, tendo sido editada em 1970.

Mais tarde, Adriano voltaria a gravá-la com outro acompanhador, mas o resultado não foi dos mais felizes. Pena é que, em colectâneas que têm aparecido, só conste a versão menos favorável. Penso que isto só acontece por manifesto desconhecimento!

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

MARIA SE FORES AO BAILE


Maria se Fores ao Baile sound bite


Música original: Sargento J. R. Robles (1879-1880)
Adaptação ao estilo de Coimbra: Ângelo Vieira Araújo (1920-2010)
Letra: 1ª estrofe popular; 2ª e 3ª estrofes de Ângelo Vieira Araújo
Incipit: Maria! Se fores ao baile
Origem da adaptação: Coimbra
Data da adaptação: 1943-1944

Maria! Se fores ao baile,
Leva o teu xaile,
Pode chover;
De manhã, de madrugada,
Cai a geada,
Podes morrer.

Maria! Se ouvires cantar
E houver luar
Vem ver quem canta;
Que a Lua, mai-las estrelas
Não são mais belas
Que quem me encanta.

Maria! Vê como a Lua
Por ver-te, amua
E perde a cor;
Mas vê que quem ‘stá cantando
Se vai finando
Por teu amor.

Canta-se o 1.º terceto da estrofe, repete-se; canta-se o 2.º terceto e repete-se.
Esquema do acompanhamento (registo Fernando Rolim, 1952)
1.º terceto: Mi, 2.ª Mi, Lá M, Mi;
2.º terceto: Lá m, Mi, 2.ª Mi, Mi; (1ª vez)
Lá M, Lá m, Mi, 2ª Mi, Mi. (2ª vez)

Informação complementar
Composição musical de tipo estrófico em compasso 4/4 e tom de Mi Maior própria para solista, preferencialmente 2.º e 1.º tenores.
Segundo informações prestadas pelo próprio Dr. Ângelo Araújo, em 8 de Fevereiro de 1994, trata-se de uma música considerada “popular” a que ele deu um arranjo nos anos de estudante de Medicina, em Coimbra e, como só conhecia uma estrofe, fez as restantes. A 2ª estrofe foi ligeiramente modificada na l.ª gravação conhecida, variante que Fernando Rolim gravou e que foi a que ficou vulgarizada. A 3ª estrofe nunca chegou a ser gravada em disco. Ângelo Araújo tomou conhecimento desta melodia através de uma criada doméstica de seus pais, em São João da Madeira, anteriormente à sua inscrição no ensino superior.
Nesta transcrição figura a letra original completa, seguindo-se recensão da variante adoptada por Fernando Rolim.
O primeiro registo fonográfico conhecido teve lugar em Coimbra, no ano de 1952, protagonizado pelo jovem estudante de Medicina Fernando Rolim. Garantiram o acompanhamento em 1ª guitarra toeira de Coimbra António Brojo, em 2ª guitarra António Portugal e nos violões de cordas de aço Aurélio Reis e Mário de Castro: disco de 78 rpm MELODIA, 15.091 – FPD 227.
Fernando Rolim, então membro do naipe dos primeiros tenores do Orfeon Académico, vocaliza a melodia do Fado Robles em compasso 4/4, na tonalidade de Mi Maior com bemolizações e conferindo-lhe o estilo típico dos serenateiros de Coimbra. Deixa de lado a pulsação rítmica do fado corrido, vocaliza em quaternário e faz algumas subidas de grande efeito solístico. Entrado nos dois últimos versos, Rolim não vai à 3.ª menor (=Que a noite), mas sim à 3.ª maior, passando depois ao tom menor tal qual consta no Fado Robles, mas dando-lhe uma pequeníssima modificação (=Com seu luar). Na continuidade da marcha melódica, Rolim sobe (=Vem ao luar), reproduzindo o efeito bel canto usual nos serenateiros académicos de Coimbra, para acabar exactamente como está no Fado Robles (=Ouvir quem canta). Tão óbvio decalque justifica que apenas consideremos Ângelo Araújo um arranjador mas não autor nem co-autor desta obra.

Gravação disponível em compact disc:
-CD Nº 45/O Melhor dos Melhores. Lisboa: MOVIEPLAY, MM 37.045, editado em 1994;
-CD Fados e Guitarradas de Coimbra. Lisboa: MOVIEPLAY, MOV. 30.332, Volume 1, disco 30332/A, editado em 1996;
-CD Nº 30/Clássicos da Renascença - Fados de Coimbra. Lisboa: MOVIEPLAY, Mov. 31.030, editado em 2000.

A copla modificada por Fernando Rolim, tem a seguinte letra:

Maria! Se ouvires cantar,
Vem ao luar
Ouvir quem canta,
Que a noite, com seu luar,
Lembra o olhar
De quem me encanta.

Outros compact discs onde figura esta composição:
-CD Fernando Machado Soares, PHILIPS, 838 108-2, faixa n.º 14, compilação de LP’s de 1986 e 1988. Remasterização extraída do LP Serenata, PHILIPS, S. A., 836 816-1, 1988. Em ambos os discos figura erradamente sob o título MARIA, tout court, e a letra e a música vêm erroneamente atribuídas a Ângelo Araújo;
-Colecção Um Século de Fado. Alfragide: EDICLUBE, CD Nº 2/Coimbra, EMI 7243 5 20635 2 9, editado em 1999, faixa n.º 8. Remasterização do registo de 1988. Canta Fernando Machado Soares acompanhado por José Fontes Rocha (g) e Durval Moreirinhas (v). Vem erradamente sob o título MARIA;
-CD João Queiroz. Colecção Fados do Fado, n.º 24. Lisboa: MOVIEPLAY PORTUGUESA S.A., FF 17.024, editado em 1998, faixa n.º 7. Remasterização de um registo vinil de 1967, acompanhado por António Chainho (g) e José Maria da Nóbrega (v). A ficha técnica do cd de 1998 omite os nomes dos instrumentistas. A composição é indicada como sendo “popular” (sic);
-CD Coimbra nos meus Fados. Ângelo Araújo. Lisboa: Videofono VCD 50027, 2005, faixa n.º 9. Canta Alcindo Costa acompanhado por Francisco Vasconcelos (g), Alexandre Bateiras (g), José Rodrigues Pereira (v) e Jorge Tito Mackey (v). Alcindo Costa interpreta a 1.ª e a 2.ª estrofes originais, como se fossem sextilhas.

Maria se fores ao baile, com três estrofes, faz parte dos cantos tradicionais de Ovelha do Marão, conforme recolha noticiada por José Ribeiro de Morais – Cancioneiro da Ovelha do Marão. Cancioneiro do Marão Ocidental. Porto: Almeida & leitão, Lda., 1998, p. 114. O recolector insere partitura anexa manuscrita, em compasso ¾, com melodia diferente da composição popularizada em Coimbra:

Maria se fores ao baile
Leva o teu xaile
Pode chover
Está o ar anuviado
Está o chão molhado
Podes morrer.

Maria se fores ao rio
Não vás ao frio
O ar é gelado
Lá vem a noite cerrada
Cai a geada
Toma cuidado.

Maria se fores dançar
Eu sou teu par
Baila comigo
Ao romper a bela aurora
Tu vais embora
Eu vou contigo.

Uma estrofe próxima da recolhida no Marão era cantada em Lorvão, Concelho de Penacova, na moda As Raparigas da Maia, cuja música é considerada popular e distinta da do Fado Robles. Cf. CD Lauribano. Grupo Etnográfico de Lorvão. Coimbra: Agitart AGT 00299, 1999. A sextilha canta-se terceto a terceto, com bis:

Maria se fores ao baile
(Ai) Leva o teu xaile
Que pode chover.
(Ai) Amanhã, de madrugada
(Ai) Cai a geada
E pode chover.

Pelo que conseguimos averiguar, Maria, se fores ao baile é uma composição muito popularizada em Portugal. Integra o reportório de algumas formações musicais activas em Coimbra. É o caso de “Maria se fores ao baile, harmonização de José Paulo [para] cinco vozes e piano”, de 2002.
Em Abril de 2010 o Dr. Jorge Rino fez circular algumas “rodelas” de 78rpm entre os amigos do Blog Guitarra de Coimbra, chamando a atenção para as irrebatíveis similitudes entre a composição atribuída a Ângelo Vieira Araújo e o oitocentista FADO ROBLES. Efectuado o levantamento das fontes disponíveis, confirma-se que a matriz fundante de Maria, se fores ao baile é o fado do Sargento Robles, cuja melodia se encontrava bastante vulgarizada em Portugal entre finais do século XIX e o primeiro terço do século XX.
De acordo com os elementos obtidos por Alberto Pimentel – A triste Canção do Sul. Subsídios para a História do Fado. Lisboa: Livraria Central de Gomes de Carvalho Editor, 1904, p. 244 e pp. 281-282, o Fado Robles era conhecido nos meios fadísticos portuenses pela designação de Fado Artilheiro. A autoria deste espécime era reivindicada por J. R. Robles, guitarrista-fadista que em 1904 trabalhava como funcionário da Companhia dos Tabacos, em Lisboa.
Segundo testemunhos avançados pelo próprio autor, Robles prestava serviço militar em Évora em 1879-1880, altura em que compôs a melodia. Posteriormente transitou para a cidade do Porto, como Sargento de Cavalaria, tendo participado activamente na Revolta do 31 de Janeiro de 1891. Na sequência do motim republicano, Robles abandonou o Porto, mas o seu fado manteve-se muito popular naquela cidade nortenha. Em 1900, Robles deixou a carreira militar e aproveitou para dar a melodia do seu fado a rever a músicos lisboetas, posto o que foi publicado. É possível que a revisão de 1900 comporte algumas variantes relativamente à linha melódica publicado no Porto e registada em disco pelos guitarristas portuenses. Fazendo fé em testemunhos prestados pelo guitarrista Ambrósio Fernandes da Maia, à roda de 1900 Robles era considerado um dos fadistas-guitarristas de referência nos meios lisboetas (op. cit., p. 63).
José Pinto Ribeiro de Carvalho – História do Fado. Lisboa: Dom Quixote, 1984 (1.ª edição de 1903), p. 273, elenca o nome de J. R. Robles entre os guitarristas de maior nomeada na Lisboa dos alvores do século XX. No seu índice de fados, Tinop regista Fado Artilheiro, p. 289, sem menção de data nem de autor, e Fado Robles, p. 292, como se fossem composições distintas, quando na realidade são a mesma obra musical.

Edições de música impressa conhecidas:

Fado Robles. Apud César das Neves (direcção musical) – Cancioneiro de Músicas Populares. Volume III. Porto: Typographia Occidental, 1898, página 76, partitura 401, dedicada “À Exma. Sra. Condessa de Valenças”. Contém a música e a letra popularizadas na cidade do Porto pelo próprio autor. Com nota de ter sido recolhido em 1895. Disponível nas edições pdf da Biblioteca Nacional, http://purl.pt/742/3/, não se confunde com a cantiga O Artilheiro (Sou soldado, valente guerreiro), popularizada na década de 1840. A recolha portuense vem acompanhada por uma silva de 21 quadras de autor não identificado, de que se transcrevem apenas as duas primeiras:

Na folha da hera, em verde,
O teu nome escrevi:
Na mesma, seca, mirrada,
Tenho teu nome inda aqui!

A madressilva encantou-me
A silva verde prendeu-me,
O coração dolorido
Da minha amada, venceu-me.

Fado Robles. In 12 cantos populares. 12 fados para piano. 2.ª série. Porto: Armazém Eduardo da Fonseca, Praça de Carlos Alberto, partitura n.º 8, s/d. 3.ª edição, anterior a 1904. Não comporta letra;
Fado Robles de Coimbra para piano. Porto: Costa e Mesquita, Rua do Sá da Bandeira, 194-196, s/d., anterior a 1910. Compasso binário, com uma 1.ª parte em Sol Maior e uma 2.ª parte em Dó Maior. Melodia integrável na tipologia do Fado Corrido. Não se vislumbra justificação plausível para a alusão topográfica “de Coimbra”. Sendo admissível que o Fado Robles fosse conhecido em Coimbra entre estudantes, fadistas amadores e ceguinhos cantadores de fados, esta composição não tem comprovadamente origem conimbricense. Admitidos que se trate de uma estratégia publicitária montada pelo editor.
Fado Robles. In Canções Portuguezas. Lisboa: Neuparth & Carneiro, s/d, composição n.º 57, em compasso 2/4.
A partitura Neuparth trazia as seguintes coplas, que traduzem na sua maior parte, a acesa discussão travada por fadófilos e antifadófilos em torno da função pedagógica do Fado nos anos da Grande Guerra:

Pediram-me p’ra cantar
Uma canção portuguesa,
Eu então escolho o fado,
Canto d’amor e tristeza.

Canto d’amor e trizteza
Canto de fé e paixão,
Em que a alma portugueza
Se funde no coração.

A brisa murmura e passa,
Vai murmurar mais além;
Onde vai e onde para,
Ninguém o sabe, ninguém.

Os sonhos, as ilusões
São como as ondas do mar;
Vem uma após outras;
N’um constante desdobrar.

Morre um afecto, outro nasce,
Vai-se um desejo, outro vem;
Depois d’um sonho, outro sonho
De tantos que a vida tem.

A última das coplas transcritas é da autoria do antigo estudante de Coimbra, poeta, dramaturgo, jornalista e militante miguelista João de Lemos Seixas Castelo Branco (1819-1890). Consta do Cancioneiro de João de Lemos. 1.º Volume. Lisboa: 1859, sendo a 8.ª quadra do poema Flor que não Morre.

Fado Robles conheceu múltiplas gravações entre 1904-1930. Elenquemos as que nos foi possível apurar:

-Fado Robles (Não dorme quem tem amores), disco Beka - Grand - Record 48018, voz e guitarra por Reinaldo Varela. Registo efectuado em Lisboa, ca. 1904-1905. Compositor, guitarrista, cantor e ensinante de instrumentos de corda activo no Porto e em Lisboa. Letra do antigo estudante de Coimbra António Cândido Gonçalves Crespo. Contém a melodia original do Fado Robles, em compasso 2/4 e tom de Dó # Maior;
-Fado Robles (Não dorme quem tem amores), disco Fidelio Record F3514, Lisboa, ca. 1904-1905, voz e guitarra por Reinaldo Varela. Repete a letra de Gonçalves Crespo;
-Fado Robles, disco Chiadophone 4093, Lisboa, ca. 1905, voz e guitarra por Reinaldo Varela;
Fado Robles, disco Gramophone, G 62352, Lisboa, ca. 1907, voz de Avelino Baptista. A gravação é anterior a 1908, já que a partir desse ano Avelino Baptista passou a gravar para a ODEON. O disco é de dupla face, tendo na outra o disco Gramophone, G 62353 – Os Filho do Capitão-Mor, uma canção também por Avelino Baptista.
-Fado Robles, disco Homokord 9237, Lisboa, ca. 1911, voz e guitarra por Reinaldo Varela;
-Fado Robles, disco Id. Gramophone 5183, de 78 rpm, interpretado em guitarra por Luís Petrolino. Gravação feita em Lisboa, ca. 1904-1905. Guitarrista activo em Lisboa;
-Fado Robles, disco Odeon Og 685, com José Cosme na guitarra e Abel Negrão no violão. Registo efectuado em Lisboa entre 1926-1928;
-[Variações sobre o] Fado Robles, disco Columbia J650, P107, com Júlio Correia na guitarra e Abel Negrão no violão. Registo efectuado em Lisboa no mês de Agosto de 1926. Guitarrista activo em Lisboa;
-[Variações sobre o] Fado Robles, disco Columbia J824, P253, com José Sá na guitarra e Arnaldo Correia no violão. Gravação realizada em Lisboa no mês de Fevereiro de 1928. Dupla de amadores activos na cidade do Porto;
-Variações sobre o Fado (?), disco Columbia J833, com ocarina e violão. Registo efectuado em Lisboa no ano de 1928 por António Martins, artista activo no Porto;
-Variações sobre o Fado Robles. 1.ª Parte, disco Columbia J834, P268. Registo efectuado em Lisboa, no mês de Fevereiro de 1928, com guitarra de António Mousão e violão de Arnaldo Correia. Dupla activa no Porto. Mousão foi o guitarrista de maior nomeada da cidade do Porto no primeiro quartel do século XX, sendo já afamadíssimo em 1903;
-Variações sobre o Fado Robles. 2.ª Parte, disco Columbia J834, P269, com António Mousão na guitarra e Arnaldo Correia no violão, idem, idem;
-Fado Robles, disco His Master’s Voice EQ 175, 7-69330, com José Joaquim Cavalheiro Júnior na guitarra e Joaquim Campos no violão. Registo efectuado em Lisboa, no edifício do Teatro de São Luís, em 1 de Novembro de 1928. Guitarrista activo no Porto;
-Variações sobre o Fado Robles, disco de 78 rpm Odeon A187295b, Og 989, com Torres Marques na guitarra e Amadeu Ramin no violão. Registo efectuado em Lisboa na segunda metade da década de 1920.

O Fado Robles, popularizado a partir de Évora desde os inícios da década de 1880, conheceu assinalável impacto nos meios fadísticos de Lisboa e do Porto. Circulado em discos de tiragem internacional e em partitura impressa, teve como agentes reprodutores músicos militares, regentes de bandas musicais e de tunas, guitarristas, fadistas, estudantes liceais e ceguinhos. Na primeira metade do século XX era utilizado pelos guitarristas de Trancoso como referencial de afinação da guitarra.
A criação de novas composições a partir do Fado Robles primitivo confirma o mecanismo de produção artística mais vulgarizado no folclore, na morna, no tango, no fado, na Canção de Coimbra em determinadas épocas e nas artes decorativas em geral. Daí que em ciclos artísticos marcados pelo conservadorismo, as chamadas novas composições se pareçam ostensivamente com as obras pré-existentes, como se fossem clones académicos. Em pintura, escultura e arquitectura parece mais óbvio detectar visualmente a osmose entre mestre e discípulo, podendo dizer-se que que na música o ouvido ajuda a documentar a sensação de semelhança entre o que já está feito e aquilo que acaba de fazer-se. Uma análise detalhada das células musicais e das posições de acompanhamento permite desvelar as “camadas de tinta” aparentemente encobertas (mais desenvolvimentos sobre os conceitos de obra original, cópia, falsificação, contrafação, Françoise Chaudeson – À qui appartient l’oeuvre d’art?. Paris: Armand Colin, 2007, pp. 109-146).
Ao esquema de criação por imitação/metaformose parece referir-se Rodney Gallop, quando comparando as técnicas de construção do Fado com o chamado Fado de Coimbra perora simplisticamente: “A fórmula técnica da música é a mesma em ambos os casos” (Cantares do Povo Português. Estudo crítico, recolha e comentário. Lisboa: Instituto de Alta Cultura, 1960, p. 20), para concluir com o velho dislate lamarkiano de uma Canção de Coimbra de quilate literário mais espiritualizado. Dizer que a música é a mesma, e que a diferença de fundo reside apenas na qualidade dos textos cantados, é manifestamente rudimentar e desprestigiante para um intelectual com a formação musical de Rodney Gallop.
Seja como for, a glosa do Fado Robles e de outros fados, abre-nos a porta a perplexidades que não podem ser inteiramente escamoteadas:

I - A questão da larga divulgação, popularização e reprodução do Fado em versões vocais, instrumentais e coreográficas antes de 1900, um pouco por todo o Portugal e espaços migratórios. Esta visão alargada da prática do Fado contraria definitivamente as visões estreitas assinadas por autores e alvitristas como Alberto Pimentel, Pinto de Carvalho e Ernesto Vieira. O jornalista Júlio César Machado, numa crónica de 1888 sobre “Os cegos músicos” já tinha feito prova desta realidade (In Álbum de Costumes Portugueses. Lisboa: Perspectivas & Realidades, 1987. 1.ª edição David Corazzi, 1888), destacando o papel dos cegos ambulantes enquanto principais agentes divulgadores do Fado nos meios provinciais, sem que se lhe tenha prestado a devida atenção.
Vogando em contra-corrente, os membros da formação Ronda dos Quatro Caminhos, beneficiando das recolhas etnomusicológicas de campo de José Alberto Sardinha, não deixaram de por em causa as teorias deterministas e monocausais sobre as origens e implantação geográfica do Fado, ao mesmo tempo que arriscavam sugestivas interpelações sobre as notórias semelhanças entre reportório da Canção de Coimbra e temas e sonoridades da música tradicional açoriana (Cf. LP Fados Velhos. Ronda dos Quatro Caminhos. Contradança, LP87-01, 1987).
Mais proximamente, o antropólogo Paulo Lima confirmou a radicação do Fado nos meios provinciais de oitocentos, através do estudo de campo O Fado Operário no Alentejo. Séculos XIX-XX. O contexto do profanista Manuel José Santinhos. Vila Verde: Tradisom, 2004.
A questão da implantação do Fado e da guitarra nas feiras, romarias e tabernas e o papel dos cegos cantadores ambulantes como agentes divulgadores, bem como a linguagem musical-coreográfica e radicação plurigeográfica do fado dançado nos espaços provinciais foi alvo de dilatado estudo por parte de José Alberto Sardinha – A origem do Fado. Vila Verde: Tradisom, 2010, em parte antecedido por outras pospecções do mesmo autor (Tradições musicais da Estremadura. Vila Verde: Tradisom, 2000). Conforme se vem de dizer, as teses dadas a lume em 2010 já tinham sido esboçadas em 1987 nos textos de acompanhamento de um Lp do grupo Ronda dos Quatro Caminhos.

II - o problema das autorias e das falsas autorias invocadas e declaradas à Sociedade Portuguesa de Autores, sem que se tenha vindo a fazer contraprova de muitas das autorias declaradas, com manifesto prejuízo da música tradicional portuguesa, dos autores-criadores e dos seus legítimos herdeiros.
Relativamente ao universo artístico enformante da Canção de Coimbra, o problema tem sido abordado de forma clara e directa desde meados da década de 1990. Vejam-se: José Anjos de Carvalho nos textos de acompanhamento das reedições de António Menano, António Menano. Fados (I). Lisboa: EMI-Valentim de Carvalho, Lda., 7243 8 34618 2 0, 1995; idem, António Menano. Fados. Volume II. EMI-Valentim de Carvalho, Lda., 7243 8 36445 2 0, 1995; ibidem, António Menano. Canções. EMI-Valentim de Carvalho, Lda., 7243 8 37495 22, 1996.
Análise crítica similar à assinada por José Anjos de Carvalho perpassa nos trabalhos de AMNunes, entre eles: O Foro Musical Académico. Individualização de um discurso musical-semântico. Coimbra: revista MUNDA, GAAC, n.ºs 20, de 1990, 21, de 1991 e 22, de 1991; nos textos de acompanhamento do LP Praxis Nova. Coimbra em Canções. Paços de Brandão, Aurastúdio, 1991. Neste caso específico, assumia-se proactivamente uma atitude de preservação e salvaguarda do património herdado, acusando localmente a recepção dos trabalhos implementados no âmbito da etnomusicologia portuguesa por Maria Antónia Esteves (LP Magericão da Serra. Ponta Delgada:Disrego, DRL-00-07, 1984) e José Alberto Sardinha (LP Viola Campaniça. O outro Alentejo. Contradança, LP86.02, 1986). As ofensivas em causa pretendiam afirmar uma metodologia de trabalho contraposta às remasterizações meramente comerciais e simplísticas que a EMI tinha lançado em 1984 (LP Fados de Coimbra. Edmundo de Bettencourt, EMI 2402451, 1984), e 1985-1986 (álbuns deuplos de LPs Fados de Coimbra. António Menano). Este esforço seria continuado com outra consistência nos trabalhos No rasto de Edmundo de Bettencourt. Uma voz para a modernidade. Funchal: DRAC, 1999, e Flávio Rodrigues da Silva. Fragmentos para uma guitarra. Coimbra: Minerva Coimbra, 2002.
Em sentido mais alargado, o problema das autorias seria retomado com pertinência etnográfica e jurídica por José Alberto Sardinha, in A origem do Fado. Vila Verde: Tradisom, 2010, pp. 214-225, citando os trabalhos desenvolvidos por José Anjos de Carvalho/AMNunes e confirmando a persistência de comportamentos ética e juridicamente discutíveis na matéria controvertida:

-compositores detentores de formação musical que se apropriam de obras escutadas da tradição oral, declarando-se abusivamente seus autores;
-instrumentistas, e dentre estes particularmente os executantes de guitarra, que abusando do articulado do Código do Direito de Autor, procedem a arranjos de acompanhamento não autorizados pelos autores e respectivos herdeiros, passando a beneficiar dos respectivos proventos. Em certos meios a referida prática é conhecida por “arranjar-se com os arranjos”;
-consumidores de discografia e artistas amadores que desconhecendo os autores de determinadas composições optam por indicar como presuntivo autor o cantor ou o guitarrista-solista que protagonizou a gravação mais conhecida. No caso específico de Coimbra, quando se desconhece quem seja o autor, é costume dizer-se “isso é do Menano”, isso é do Bettencourt”, “isso é do Flávio”. A autoria presuntiva passa para as etiquetas dos discos, perpetuando-se o erro autoral de geração em geração, pois as novas gerações de cultores nunca efectuam a análise crítica da informação oral herdada. São exemplos de erros sistemáticos, aparentemente impossíveis de erradicar: na Samaritana, a confusão entre o actor Álvaro Cabral (seu verdadeiro autor) e o compositor e escritor teatral Álvaro Leal; no Fado das Andorinhas, a confusão entre José Paradela de Oliveira (verdadeiro autor) e o seu colega estudante e cantor Artur Almeida d’Eça; no Minho Encantador, a confusão entre Frederico de Freitas/Felisberto Passos (verdeiros autores) e o guitarrista Paulo de Sá; na Valsa em Fá Maior, a confusão entre José das Neves Elyseu (verdadeiro autor) e o guitarrista Flávio Rodrigues; no Fado da Mentira, a confusão entre Antero da Veiga (verdadeiro autor) e Alexandre de Rezende.

Ângelo Vieira Araújo nasceu em São João da Madeira em 1 de Janeiro de 1920 e faleceu na cidade de Lisboa, em 30 de Agosto de 2010. Frequentou os estudos liceais no Porto, que concluiu em 1936, cidade onde tomou conhecimento da existência de núcleos de fadistas, serenateiros e executantes de guitarra pelo estilo do Porto, caso de José Sá que ainda usava a guitarra de voluta em florão. No ano lectivo de 1936-1937 matriculou-se na Universidade do Porto, onde fez os preparatórios para Medicina, o FQN (Física, Química e Naturais). Na circunstância, pertenceu à Tuna Universitária do Porto, como executante de banjolim, e ao Orfeon Universitário como 2.º tenor. No ano lectivo de 1937-1938 matriculou-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.
Foi precisamente nestes anos, marcados pela Guerra Civil de Espanha, pela programação musical da Emissora Nacional e pelas bandas sonoras dos filmes a preto e branco que Ângelo Araújo formou o seu gosto musical e assimilou os valores da canção musical ligeira e dos fados-canções cultivados pelos estudantes do Porto (caso de Rendilheiras de Vila do Conde, gravado por Carlos Leal, e de À Meia Noite ao Luar) e por grupos locais de música ligeira e romântica com OS SAMEDO. Na Academia do Porto existiria ao tempo, ou teria existido recentemente, um organismo designado Fado Académico do Porto, com objectivos e gostos sintonizados com os do Fado Académico de Coimbra, cujo historial se encontra por estudar.
Em Coimbra, Ângelo Araújo foi membro do Fado Académico de Coimbra, onde acamaradou com Abílio Ribeiro de Moura e João Gonçalves Jardim, da TAUC, do debutante TEUC, de bandas de música ligeira que vinham dos anos de Serrano Baptista, que serviam de suporte às variedades da TAUC e Orfeon e permitiam aclimatar localmente música norte-americana, brasileira e hawaiana (Orquestra Hawiana, Orquestra Zíngara, Orquestra de Sambas).
Ângelo Araújo acompanhou digressões de organismos académicos como executante de violão e actor amador com intervenção em peças cómicas. Na década de 1940 conviveu com figuras como Manuel Julião, Carvalho Homem, João Bagão, José Amaral e Eduardo Tavares de Melo. Compositor amador e executante de violão de cordas de aço, assinou várias obras literário-musicais que foram difundidas com enorme êxito pelo solista académico Manuel Julião e pelo actor cinematográfico Alberto Ribeiro. Terminou o curso em 1947, posto o que se radicou em Lisboa como médico.
Para uma compreensão do gosto e práticas musicais dos anos 40 do século XX, siga-se AMNunes – Da(s) memória(s) da Canção de Coimbra. In Canção de Coimbra. Testemunhos vivos. Coimbra, DG-AAC, 2002, pp. 16-24. Na obra citada prestam testemunhos sobre a sua geração António de Almeida Santos (pp. 81-94), Ângelo Araújo (pp. 95-98) e Augusto Camacho Vieira (pp. 99-104).
Outras informações sobre a vida e obra de Ângelo Araújo encontram-se disponíveis em José Niza – Fado de Coimbra II. Alfragide: Ediclube, 1999; Manuel Marques Inácio – O canto e música de Coimbra. Ângelo Vieira Araújo. São João da Madeira: CMSJM, Julho de 2007.

Os meios académicos conimbricenses guardam de Ângelo Araújo uma memória polifacetada que confirma a complexidade do ser humano e as vulnerabilidades inerentes ao discurso linear específicas dos movimentos ancorados da modernidade cartesiana-newtoniana:

1. Ângelo Vieira Araújo como o autor de composições emblemáticas da década de 1940, ainda hoje trauteadas e muito apreciadas, como CARTA (Esta carta será a derradeira), CONTOS VELHINHOS (Contos velhinhos de amor), SUSPIRO d’ALMA (Suspiro que nasce d’alma), SANTA CLARA (Santa Clara, Santa Clara) e FEITICEIRA (Ó meu amor/minha linda feiticeira), MARIA SE FORES AO BAILE, gravados desde 1947 em suportes fílmicos e fonográficos pelas vozes de Alberto Ribeiro, Fernando Rolim, Luiz Goes, José Afonso e António Bernardino.
Esta faceta romântica do autor é cultivada pelos incontáveis admiradores masculinos e femininos do reportório araujiano, remetendo para um espaço-tempo da juventude aparentemente incorruptível e alheio ao triunfo das potências aliadas, à viragem à esquerda da Associação Académica de Coimbra e às demolições do Bairro Latino, posicionando-se fora das margens das estéticas modernistas e vanguardistas;

2. Ângelo Vieira Araújo, autor de canções ligeiras enformadas pelo gosto pequeno-burguês, radiofónico e cinematográfico do seu tempo, testemunhando um reportório próximo do praticado pelas grandes vedetas da rádio e do cinema. Esta tem sido a memória produzida pelos críticos de Ângelo Araújo, de alguma forma próximos das formações lideradas nos anos de 1950 por António Brojo e António Portugal, memória continuada na década de 1960 pelos adeptos do Movimento da Balada e do Movimento da Trova (segundas vanguardas).
Nos discursos mais radicalizados, a obra de Ângelo Araújo chega a ser considerada sinónimo de cançonetismo e de mau gosto estético. Segundo os adeptos desta corrente, obras como Feiticeira, Santa Clara e Maria se fores ao Baile constituiriam o reflexo do gosto “pimba” na Canção de Coimbra. Um contributo equilibrado para a inteligibilidade da década de 1940 pode colher-se em Jorge Cravo – Luiz Goes. O Neo-Modernismo na Canção de Coimbra ou o advento da Escola Goesiana. Coimbra: Minerva Coimbra, 2009, pp. 31-39 e 52-56.

3. Ângelo Vieira Araújo como exemplo do estudante que vendeu o seu reportório ao cineasta Armando Miranda e ajudou a ensaiar Alberto Ribeiro e a banda sonora do filme Capas Negras (1947). A questão do filme Capas Negras encontra-se satisfatoriamente estudada, pese embora o facto de o mal-estar alimentado em torno de Ângelo Araújo não vir ali reportado (Cf. Álvaro Garrido – Coimbra nas imagens do cinema do Estado Novo. In O cinema sob o olhar do Salazar. Lisboa: Círculo de Leitores, 2000, pp. 274-303).
Os argumentos esgrimidos contra a suposta falta de escrúpulos de Ângelo Araújo radicam essencialmente em juízos de valor marcados pelo conservadorismo e pelo xenofobismo cultural em que tinham caído a Academia de Coimbra e os jovens cultores da Canção de Coimbra nos anos áureos da ditadura salazarista. O autor vendeu os direitos sobre composições que eram sua propriedade musical e literária, atitude que desagradou profundamente aos estudantes seus contemporâneos. Alguns dos seus acusadores iam todos os meses ao Emissor Regional de Coimbra da Emissora Nacional dar um concerto, pelo qual recebiam 500$00, facto propositadamente omitido durante a polémica. Numa sociedade académica tradicional marcada pelo comunitarismo das práticas culturais e pela apertada vigilância vicinal dos comportamentos, o que não se perdoou a Ângelo Araújo foi o salto para a individualidade, num artista amador considerado de segundo plano, pensava-se e dizia-se.
Sendo verdade que o actor profissional Alberto Ribeiro interpretava o reportório de Coimbra segundo os afectados cânones vocais dos reis da rádio, não há dúvidas que o relançamento internacional da Canção de Coimbra ocorre em 1947-1948 graças à exibição do filme Capas Negras e em 1948-1949 devido a gravações levadas a cabo por Alberto Ribeiro no Brasil.
Os contributos de Ângelo de Araújo para esta ofensiva internacionalizadora nunca foram reconhecidos pelos críticos do paradigma araujiano. Na lógica dos puristas do género, Araújo agira condenavelmente pois contribuira ante os seus pares para a profanação e mercadorização da Canção de Coimbra. Para os orgulhosos cultores do neo-modernismo e das segundas vanguardas, Araújo ficara definitivamente colado aos clássicos e à cançoneta ligeira. Por seu turno, os admiradores e praticantes do reportório araujiano não facilitaram o diálogo, na medida em que consideraram os aportamentos das segundas vanguardas como “não Canção de Coimbra”, o que equivaleu a perpetuar o anátema da arte degenerada que havia sido consolidado e inculcado pelos sistemas de propaganda dos regimes autoritários.

A geração em que despontou Ângelo Araújo não se sentia chocada com o estilo vocal artificioso dos reis da rádio, nem pensava que estes estivessem a “prostituir” o chamado Fado de Coimbra. Os membros do Fado Académico de Coimbra, de que Araújo fizera parte nos anos finais daquele organismo, apreciavam as canções radiofónicas e cinematográficas e tinham em carteira cantores especializados em Fado que nas digressões dos organismos académicos cantavam essencialmente reportório em cartaz nas casas de fados de Lisboa. Outro género dramático muito apreciado e reproduzido pelos académicos em prestações vocais e instrumentais era o Tango.
Confrontados com a falta de vozes, os estudantes chegaram a levar em digressão o cantor amador activo no Porto Loubet Bravo. Loubet Bravo viria a gravar no Outono da vida com formações instrumentais activas nos meios fadísticos de Lisboa, deixando testemunho de um estilo definitivamente marginalizado pelas formações da liderança de Pinho Brojo e António Portugal. Não obstante a incidência de Loubet Bravo no reportório fonográfico legado por Edmundo Betencourt, as gerações académicas das décadas de 1960-1970 não se conhecem nas propostas discográficas do antigo ferroviário e artista portuense.
Outro artista multifacetado da época de Araújo, Manuel Branquinho, deixaria avultado número de registos, fazendo fé sobre o gosto dominante e as limitações estéticas da década de 1940. Curiosamente, Alberto Ribeiro dera os seus primeiros passos no interior das fronteiras deste gosto musical eclético e pouco exigente, quando em final da década de 1930 começou a cantar fados, cançonetas e serenatas em cafés e festas da cidade do Porto. Dito por outras palavras, o reportório dominante na Canção de Coimbra da década de 1940 faz eco das práticas musicais popularizadas através da programação radiofónica, das bandas sonoras dos filmes e revela traços comuns com o reportório ensaiado e exibido pelas orquestras ligeiras e bandas de província que animavam hotéis, casinos, casamentos e espectáculos da Fundação para a Alegria no Trabalho.
A fuga do reportório vocal do chamado Fado de Coimbra – fortemente marcado por monodias estróficas – para cançonetas e canções ligeiras poderá constituir uma resposta dos últimos membros do Fado Académico de Coimbra, organismo malquisto aos olhos do Ministro da Educação Nacional António Carneiro Pacheco, que manobrou na sombra junto do Reitor e do Presidente da AAC para que o mesmo fosse extinto. A questão do misterioso fim do FAC, oportunamente abafada pelos aplausos conquistados pelo jovem TEUC, nunca foi convenientemente esclarecida, não colhendo o argumento segundo o qual a direcção da AAC (da confiança política do governo) precisava das salas do 3.º piso da Bastilha.
Ângelo Araújo era o último dos FAC ainda vivos. Com ele morre o segredo da extinção do FAC e uma forma muito peculiar de estar na Canção de Coimbra.

Transcrição: Octávio Sérgio (2010)
Pesquisa e texto: José Anjos de Carvalho e António M. Nunes
Agradecimentos: José Moças, Dr. Jorge Rino

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