sábado, 8 de maio de 2010

FLORES PARA COIMBRA


Música: Joaquim Fernandes da Conceição
Letra: Manuel de Melo Alegre Duarte
Incipit: Que mil flores desabrochem
Origem: Porto
Supercategoria: Canção de Coimbra
Sucategoria: composições com duas ou mais partes musicais
Arranjo para guitarra Coimbra: Francisco Filipe Martins
Data: 1969

Que mil flores desabrochem. Que mil flores
(outras nenhumas) onde amores fenecem
Que mil flores floresçam onde só dores
Florescem.

Que mil flores desabrochem. Que mil espadas
(outras nenhumas não)
Onde mil flores com espadas são cortadas
Que mil espadas floresçam em cada mão.

Que mil espadas floresçam
Onde só penas são.
Antes que amores feneçam
Que mil flores desabrochem.
E outras nenhumas não.

Que mil flores desabrochem. Que mil flores
(outras nenhumas) onde amores fenecem
Que mil flores floresçam onde só dores
Florescem.

Na 1.ª estrofe os versos cantam-se sem repetições.
Na 2ª estrofe, os dois últimos versos cantam-se e repetem-se.
Na 3ª estrofe, canta-se e repete-se o último verso.
Finaliza-se repetindo a 1.ª estrofe.

Canção em compasso 4/4 e tom de Lá menor, com duas partes musicais, gravada
no 2.º semestre de 1969 por António Bernardino, na editora Orfeu, de Arnaldo
Trindade, acompanhado à guitarra por António Portugal e Francisco Filipe
Martins e à viola de cordas de nylon por Luís Filipe Roxo.

O primeiro registo de António Bernardino, com arranjo de guitarra por
Francisco Martins, foi gravado no EP Flores para Coimbra. António
Bernardino. Porto: Orfeu, ATEP 6402, ano de 1969, da editora Arnaldo
Trindade. Deste 45rpm constavam os quatro temas seguintes:
-Flores para Coimbra (Que mil flores desabrochem), arranjo de Francisco
Filipe Martins;
-Canção com Lágrimas (Eu canto para ti um mês giestas);
-Canção do Exílio (Eu vivo lá longe, longe);
-Trova da Planície (Quando os cutelos de sombra), arranjo de Francisco
Filipe Martins.

O EP referido vendeu bem e Arnaldo Trindade não tardou a lançar o LP Flores
para Coimbra. Porto: Orfeu, SNAT 11007, de 1969, com 7 peças cantadas, nas
quais se incluem as 4 supra reportadas: Canção do Trovador, E alegre se fez
triste, Fado para um Amor Ausente, Guitarras do Meu País, Canto do Silêncio,
Cantiga para os que Partem e Trova do Vento que Passa.

Este registo viria a ser remasterizado no cd duplo Fados e Guitarradas de
Coimbra. Volume I. Lisboa: Movieplay, MOV. 30.332 A/B, ano de 1996 (disco 2,
faixa nº 11), com António Portugal/Francisco Martins (gg) e Luís Filipe (v).

António Bernardino voltou a gravar esta canção em 1983 para o programa
televisivo da RTP Tempo(s) de Coimbra e para a antologia vinil do mesmo
nome. Esta antologia conheceu uma reedição vinil em 1990 (disco 3, "Anos 50
e 60", EMI 2603851, Lado 2, faixa nº5), com remasterização em cd (1992 e 2004). No registo referenciado, António Portugal figura como co-autor do arranjo de guitarra.

Joaquim Fernandes, autor da música, é formado e doutorado em História pela Universidade do Porto, onde defendeu uma tese sobre "O imaginário
extraterrestre na cultura portuguesa". Detentor de formação musical, é docente da Universidade Fernando Pessoa, onde dirige o Centro Transdisciplinar de Estudos da Consciência. Oriundo da freguesia de Cedofeita, Porto, foi incorporado no sector dos transportes rodoviários no
Quartel de Santa Clara, Coimbra, em Março de 1969. Ali foi colega de António Bernardino que lhe trouxe um manuscrito com letra de Manuel Alegre e lhe solicitou que a musicasse. Joaquim Fernandes levou a letra para casa, sentou-se ao piano, compôs a melodia e trauteou-a numa cassete. De regresso ao quartel, entregou a cassete a António Bernardino e ainda chegou a deslocar-se a pelo menos um ensaio em casa de António Portugal. Agradecemos a Prof. Doutor Joaquim Fernandes da Conceição as informações prestadas em 4 de Setembro de 2004. Precedendo este texto em ca. 10 anos, os dados aqui carreados sobre a autoria do arranjo de guitarra de acompanhamento e sobre o autor da melodia são também confirmados por Armando Luís de Carvalho Homem -
A Guitarra de Coimbra em tempos de fim de tempo (ca. 1965-ca. 1973).
Apontamentos e rememorações. In Separata de ANAIS. Série História. Volume V/VI. Lisboa: UAL, 2000-2001, p. 343 e anotação 27.

Escreveu a letra Manuel Alegre, já então exilado por motivos políticos, que se havia destacado nos anos anteriores como poeta, actor amador no CITAC e figura de vulto do Movimento da Trova. O poema veio publicado no livro O canto e as armas, 1969 (reedição da Europa-América).

Flores para Coimbra é uma das composições mais belas do Movimento da Trova, criada no rescaldo da Crise Académica de 17 de Abril de 1969. Como que por ironia do destino seria totalmente esquecida pelo movimento associativo, conforme tem salientado o intérprete e estudioso da CC Jorge Cravo, perplexidade que parece confirmar as amargas conclusões de Pierre Vergniaud
ditas antes da guilhotinagem de 1793: "La révolution est comme Saturne. Elle devore ses propres enfants".

O culto da natureza e da floração não é uma invenção dos sixties, fazendo
parte das culturas comunitárias ancoradas nos ritos cíclicos desde a pré-história. Da festa das Maias romanas, ao Domingo de Ramos e Dia da Espiga dos cristãos, passando pela Primavera de Sandro Botticelli, a ideologia floral tem alimentado o imaginário das comunidades tradicionais.
Os próprios estudantes de Coimbra, com a sua Queima das Fitas, também
celebravam Floralia e Maia, tomando como símbolo maior a floração da Árvore do Ponto, com espécimes no Jardim Botânico e junto à Porta de Minerva. Para não destoar, o cortejo alegório da Queima das Fitas manteve por muitos anos a batalha das flores e a tradição ornamental de viaturas à base de verduras e flores, ontem naturais, hoje de papel, costume que se acha documentado em fotografias remontes à década de 1890 Aliás, não faltam na Alma Mater as referências vegetalistas e florais: na colação do grau de doutor, os louros evocam Apolo e os heróis da antiga Grécia; nas latadas das Faculdades, o nabo representa o longo Inverno; na Queima das Fitas, os quartanistas incineram os grelos no altar de Minerva; na antiga tourada ao lente, o repasto de novo doutorado em dia de primeira lição eram verduras; nos jogos da Académica em Lisboa era costume levar-se palha ao cavalo de D. José.

A arte sacra ocidental usou abundantemente troncos, folhas, cachos de uvas, flores, e estilizações da Árvore da Vida e da Árvore de Jessé.
Hodiernamente, a poluição, a monotonia profissional, o stresse urbano e as doenças físicas e psiquícas que lhe estão associadas fizeram explodir ideologias ecológicas, verdes, ruralistas, naturistas e os movimentos pró-agricultura biológica.

Para os que liam Mao Tsé Tung (1893-1976), cuja "revolução cultural" estava na moda na década de 1960, era familiar a frase "Deixai que as flores desabrochem e que floresçam as discussões". A palavra de ordem fora lançada em 2 de Maio de 1956 pelo Comité Central do Partido Comunista Chinês, que na circunstância inaugurara o programa literário e artístico "Que cem flores desabrochem, que cem escolas rivalizem". A frase pegou no Ocidente, tendo sido atribuída a Mao. A estudiosa Mai Mei Juan nega esta paternidade, clarificando que a expressão era antiga e circulante entre a população chinesa (Cf. Aux origines de quelques maoismes linguistiques. 1956: les cent fleurs, http://www.persee.fr/web/revues/home/prescipt/article/mots_0243-6450_2001_num_66_1_2599).

De relembrar também o poema de André Pieyre de Mandiargues (1909-1991), Rose
pour une Révolution, datado de de 13 de Maio de 1968, que no calor do Mai 68 canta: Que s'ouvre donc et s'épanouisse/Une rose rouge tellement
démesurée/Qu'elle recouvrent la France entière.

Fundado em 1969, o Parti Socialiste não esqueceria o repto lançado por
Mandiargues. Nesse mesmo ano, Marc Borret, concebeu o célebre punho fechado a segurar uma rosa, símbolo partidário difundido a partir de 1971.

Um pouco antes destes acontecimentos, a contra-cultura hippie promoveu em São Francisco o Summer of Love, antecedente do Woodstock (Verão de 1969).
Com os olhos postos no Monterey Pop Festival, em Junho de 1967 John Philips musicou uma letra que daria brado na voz de Scott Mackenzie, San Francisco: If you are coming to San Francisco/Be sure to wear some flowers in your hair. Era chegada a moda do kaftan, das patilhas, das calças de boca-de-sino, das camisas de orelha de cão e das florinhas. A contracultura hippie revestia-se de florinhas nos lenços, nos cabelos, em estampas, nas capas de discos vinil. O Flower Power caminhava de par com o Black Power, o Gay Power ou o Women's Liberation.

Em Coimbra, logo após os acontecimentos de 17 de Abril de 1969, conhecidos por "Assuada ao Chefe de Estado", os estudantes organizaram a greve às aulas e implementaram a "operação balão" e a "operação flor", de que se guardam documentos fotográficos na Imagoteca Municipal de Coimbra. O regime e o ministério liderado por José Hermano Saraiva não se deixaram comover, tendo actuado com extrema dureza. O processo, conduzido pela Judiciária, resultou em numerosos volumes e apreensão de material clandestino na sede da AAC (livros de autores proibidos, panfletos e cartazes artesanais). No segundo semestre de 1969, Flores para Coimbra adquiria um peculiar acento de tristeza na voz de António Bernardino. Como compreender que o movimento associativo não tenha acarinhado esta belíssima canção? Não se vestira a capa do Lp com as cores do próprio luto académico decretado em Assembleia Magna?

Flores para Coimbra, a par de outras composições cantadas e instrumentais, ajudou a alavancar uma nova CC onde o reportório convencional viu a sua legitimidade posta em causa e experimentou dificuldades em ombrear com as sensibilidades estéticas emergentes. Foi o caso do Movimento da Balada (José Afonso/Rui Pato), do Movimento da Trova (Adriano Correia de Oliveira/António Bernardino/António Portugal/Manuel Alegre), do Novo Canto (Luiz Goes/João Bagão/António Andias), do Neo-Realismo (Carlos Paredes/Fernando Alvim), e das estéticas de construção de novidades sem ruptura assumida com a herança patrimonial (Nuno Guimarães/Eduardo Melo/Ernesto Melo/José Miguel Baptista).
Anos de "viola às costas" (sobretudo no interior do Movimento da Balada), a guitarra de Coimbra mantém-se nas demais propostas em construção, a começar por António Portugal e João Bagão. Nas vozes, aí sim, os louros consagram os barítonos (sem que tenham faltado merecidos aplausos a José Manuel dos Santos, Armando Marta ou a Fernando Gomes Alves).

Nos sixties, alguns artistas amadores da CC estão a par do tempo e forçam a CC a entrar no espírito do tempo. Os movimentos ou sensibilidades sumariamente elencados alguma coisa reflectem do que se estava a passar com o NUEVO TANGO [Astor Piazzolla, 1921-1992, novidades e rupturas desde 1955], BOSSA NOVA [desde 1958 com João Gilberto, Vinicius de Morais, António Carlos Jobim], LA NOUVELLE CHANSON [desde ca. 1954 com George Brassens, Juliette Greco, Serge Gainsbourg, Jacques Brel, Léo Ferré].

O receio e a desorientação perante as novidades estéticas alimentaram atitudes reactivas cujos contornos são ainda mal conhecidos. Em Coimbra, algumas dessas reacções poderão ser mapeadas através de vozes activas na Associação dos Antigos Estudantes e no modus operandi de Manuel Branquinho.
Em Lisboa, foram anos em que as casas de fados e os grupos residentes não souberam compreender o que se estava a passar na CC. Estigmatizando os novos movimentos, os grupos de fados integrados na indústria de entretenimento optaram por produzir e gravar reportório marcadamente reaccionário (títulos, letras, acompanhamento com tocata de fado). Cronologicamente, a concepção e produção de "verdadeiros fados de Coimbra" pela indústria fadística lisboeta coincide no plano internacional com a crise das cowboyadas em Hollywood e a sua apropriação pela indústria cinematográfica italiana. Entre 1963-1977 os realizadores italianos rodaram no sul de Espanha perto de 600 Western Spaghetti (designados "Bang-Bang à italiana" no Brasil), que facturam muito bem. Embora o fenómeno dos Coimbra Spaghetti se tenha começado a afirmar nos anos dourados da radiodifusão e do cinema do Estado Novo com figuras como Alberto Ribeiro (década de 1940), a indústria discográfica que alimentou os Coimbra Spaghetti parece secundar as datas apontadas para o sucesso de bilheteira dos Western Spaghetti (ca. 1960-ca. 1980).

Para finalizar, e retomando uma questão cara aos adversários das trovas e
baladas (sem com isto pretender dar-lhes razão), Flores para Coimbra seria um tema da CC se não fosse interpretada em conformidade com a estética conimbricense?

Transcrição: Octávio Sérgio (2010)
Pesquisa e texto: José Anjos de Carvalho e António M. Nunes

Flores para Coimbra; Canta António Bernardino sound bite

Clique em baixo para aceder às fotografias relativas à crise académica de 1969

http://www.slideshare.net/sergiomorais7/crise-acadmica-coimbra-1969

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sexta-feira, 7 de maio de 2010

Aurelino Costa hoje, em Coimbra, com António Victorino de Almeida. Miguel Torga e a sua poesia, são o mote. Diário de Coimbra de hoje.
Pena tenho de não poder estar presente. Bom sucesso, amigo Aurelino!

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Clube Aficionados do Fado

O Clube Aficionados do Fado informa que o Grupo de Fados e Serenatas da Universidade do Minho estará presente na seguinte iniciativa:

Espectáculo: Serenata Académica do Enterro da Gata
Local: Largo do Paço - Braga
Data: Sexta-feira, dia 7 de Maio pelas 23:50 h
Organização: A.A.U.M.

Sugira o CAF a um amigo(a), enviando o seu enderço para aficionadosdofado@gmail.com

Clube Aficionados do Fado do
Grupo de Fados e Serenatas da Universidade do Minho
Telemóvel: 960 001 282
grupofados_um@portugalmail.pt
www.aficionadosdofado.blogspot.com
www.grupofadosum.com

Sarau de Gala da Queima das Fitas 2010

No próxima dia 7 de Maio - Sexta-Feira -, pelas 21h00, começará o Sarau de Gala da Queima das Fitas 2010, no Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV). Com um final marcado para as 02h00, o Sarau de Gala de 2010 será um evento marcante para as novas e as velhas gerações da "Velha Academia"!
Na noite da Queima das Fitas - o evento máximo da PRAXE Coimbrã - os grandes grupos da Academia actuam perante o seu público e é esperada uma casa cheia no TAGV.

Mais uma vez, a Secção de Fado da AAC associa-se a este evento como Co-Organizadora, a par da Comissão Central da Queima das Fitas.

Alinhamento:

1º ACTO

Orfeon Académico de Coimbra
Tuna Académica da Universidade de Coimbra (Orquestra)
Coro Misto da Universidade de Coimbra
Tuna Académica da Universidade de Coimbra (Big Band Rags)

2º ACTO

Grupo de Canção de Coimbra da Secção de Fado da AAC
Orquestra Típica e Rancho
ESTUDANTINA UNIVERSITÁRIA DE COIMBRA
Grupo de Cordas
Orxestra Pitagórica

3º ACTO

As Fans
Fan Farra Académica de Coimbra
Mondeguinas

ENTRADA GRATUITA (levantamento de bilhetes no TAGV e na Secção de Fado da AAC)

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Convite

VIMOS POR ESTE MEIO CONVIDAR TODOS OS ALUNOS, FAMILIARES E AMIGOS A PARTICIPAR/ASSISTIR À PRIMEIRA AUDIÇÃO DA ESCOLA DE GUITARRA VIOLA E FADO DE COIMBRA (EGVF).

A AUDIÇÃO TERÁ LUGAR TERÇA-FEIRA DIA 4 DE MAIO PELAS 19H00 NA SEDE DO CORO DOS ANTIGOS ORFEONISTAS/EGVF.

CONTAMOS COM A VOSSA PRESENÇA!

P´LA EGVF

Ricardo Dias

domingo, 2 de maio de 2010


ÀS ESTRELAS
Música: 1.ª parte de autor desconhecido; 2.ª parte de autor desconhecido
Letra: 1.ª e 2.ª quadras de Augusto José Gonçalves Lima (1825-1867); oitavas
e quadra final de João Martins Barbosa Carneiro (1833-1857)
Incipit: Lindas, mimosas safiras
Origem: Coimbra
Função inicial: divertimento, serenata de cortejamento, serenata estudantina
Supercategoria: Canção de Coimbra
Subcategoria: fado corrido
Data: ca. 1847-1852; 1890
Protecção: domínio público
Referência: PT/CO/CC/2PM.02

Lindas, mimosas safiras
Que o véu da noite bordais,
Dizei-me estrelas, dizei-me,
Se acaso também amais?

Tereis somente por norte
Luzir, luzir e não mais?
Não creio, estrelas, não creio,
Sois tão formosas, amais.

Vós estrelas tão formosas
Que a terra de luz banhais,
Dizei-me, oh astros da noite,
Porque tão belos brilhais.

Suspensas lá nesse espaço,
Criadas pelo Senhor;
Vós, estrelas, dais à noite
Melancólico fulgor.

O velho, que vê dispersas
Da infância as saudosas flores,
Ao ver-vos inda se lembra
Do tempo dos seus amores.

A virgem sorri mimosa
À vossa luz que estremece,
E o ateu um Deus eterno
Ao fitar-vos reconhece.

Estrelas, vós sois um livro
Que aos mortais abrem os céus,
Sois a página brilhante
Onde leio amor e Deus.

Os dísticos cantam-se e repetem-se tanto na 1.ª como na 2.ª parte. Os dísticos podem ser cantados apenas por solista e bisados em coro, esquema usual em muita da música tradicional portuguesa. Nada obsta a que a copla correspondente à 2.ª parte seja integralmente cantada em coro.

Informação complementar

Composição com duas partes musicais em compasso binário e tom de Sol Maior (Lá Maior na afinação de Coimbra). A melodia é singela, moldada pelo padrão do fado corrido. O que não é propriamente comum no século XIX é um fado corrido ter duas partes musicais, embora possamos encontrar fados assim estruturados, o que acontece com uma variante do popular Fado da Severa (Tenho vida amargurada) que também se cantava e ponteava ao som da banza conimbricense. No cabeçalho da solfa vem "nocturno", indicando que esta melodia era utilizada nas serenatas dadas pelos estudantes de Coimbra.

Solfa recolhido em Coimbra no ano de 1890 pelo estudante sócio fundador da TAUC Manuel Maria de Castro Corte-Real que não menciona autoria de música nem correlaciona de todo esta composição com o nome de Augusto Hilário que conhecia e admirava. Partitura integrada na compilação orientada por César das Neves - Cancioneiro de Músicas Populares. Volume I. Porto: Typographia Occidental, 1893, pp. 192-193.

Estudiosos houve, como Alberto Pimentel (A triste canção do sul, 1904), que nimbados da leitura dos índices finais do cancioneiro de César das Neves relacionaram Às Estrelas com a Augusto Hilário. Sem provas seguras, não arriscamos sequer um "atribuído a", sendo pacífico apenas que a composição fez parte do repertório hilariano. A primeira parte, anterior ao nascimento do próprio Hilário, é um típico fado corrido em tom maior. O acrescento (2.ª parte) pode ter sido feito pelo famoso guitarrista Jaime de Abreu, que brilhou na década de 1880 como tuno, guitarrista e membro da orquestra do Teatro Académico. Do que não há dúvidas é que este era um dos vários "fadinhos" com que Hilário arrebatou ouvintes masculinos e femininos na primeira metade da década de 1890, ainda antes de ter feito as suas própias composições. Daí que, bem conhecido o reportório hilariano, seja de questionar com bons argumentos a "teoria" que pretendia que o chamado Fado de Coimbra, derivado monegeneticamente do Fado vindo de Lisboa, teria sofrido uma primeira e marcante distanciação estética com Augusto Hilário.
Ora, a análise das fontes epocais demonsta o contrário, que Hilário afadistou a Canção de Coimbra, na nomenclatura, na importação de células fadísticas e até no enxertamento do acompanhamento do Fado Corrido nas monodias conimbricenses.

As primeiras duas coplas fazem parte de uma estrofe de doze versos da autoria de Augusto José Gonçalves Lima, poeta colaborador de O Trovador (1844-1848), bacharel em Direito, mais tarde Governador Civil de Lisboa, Administrador do Bairro do Rossio e funcionário do Ministério do Reino (Odivelas, 1825; Lisboa, 1867). Lima, poeta de convicções liberais, foi o autor da letra do Hino do Batalhão Académico de 1847. Tal facto, catapulta a primeira parte da melodia para finais da década de 1840, inícios de 1850, sendo as coplas primitivas de 1847. Outro importante indicador para a datação é a antologia Murmúrios, Lisboa, 1851, na qual o autor reune a maioria das produções.

O autor das duas oitavas e da quadra final foi João Martins Barbosa Carneiro, poeta, jornalista e escritor nascido e falecido na cidade do Porto (1833-1857). Colaborou em O Bardo e em A Grinalda e deixou o romance A voz do Condenado. O texto poético de Barbosa Carneiro terá sido acrescentado em 1893 à solfa remetida de Coimbra por Gualdino de Campos, literato que formou equipa com César das Neves e coordenou a parte potética do cancioneiro.

A melodia contém o "ADN" de uma composição gravada na década de 1920 por José Paradela de Oliveira e António Batoque com a designação de Fado Antigo (Por ti perdi o sossego).

Esta composição tem feito parte das serenatas anualmente apresentadas pelo Grupo Folclórico de Coimbra que a re-interpreta com tocata completa.

Não se conhece qualquer registo fonográfico de Às Estrelas.

Transcrição: Octávio Sérgio (2010)
Texto e pesquisa: José Anjos de Carvalho e António M. Nunes

Projecto: recolha, salvaguarda e divulgação do Património Canção de Coimbra

A's Estrellas Música em MIDI sound bite

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